quarta-feira, 26 de outubro de 2022

OS DESAFIOS DE UM TURISMO SUSTENTÁVEL

 Em ambiente de globalização e de crise provocada pelas consequências da guerra da Ucrânia, Portugal confronta-se com a necessidade de adotar, no plano económico e social, uma estratégia baseada num desenvolvimento sustentável, mais eficiente em termos de utilização de recursos (naturais e humanos), e, que concomitantemente assegure a efetiva implementação de políticas públicas equilibradas de natureza territorial. Neste âmbito o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), com um período de execução até 2026, deverá implementar um conjunto de reformas e investimentos, destinados a assegurar esse desenvolvimento sustentado, reforçando o objetivo de convergência com a Europa, ao longo da próxima década e assente em três dimensões estruturantes; a resiliência, a transição climática e a transição digital. Como é sabido, em Portugal a atividade do setor do turismo tem alcançado uma dimensão muito significativa, representando uma das principais fontes de receita da nossa economia. Acresce, que a aposta no turismo apresenta-se, inquestionavelmente, válida a diversos níveis, uma vez que é importante para a economia portuguesa e tem um efeito multiplicador noutros setores de atividade. A verdade, é, que no conjunto da nossa economia a sua evolução recente, indica que neste setor- e o conjunto de bens e serviços que assegura, tem ainda capacidade para reforçar a sua importância, em particular se atrair a população ao interior do País. Assim, importa traçar metas ambiciosas adequadas ao setor, numa perspetiva de futuro sustentável. Contudo, apesar da dinâmica que este setor tem revelado para a criação de emprego em Portugal, convém salientar que este setor, está longe de salvaguardar a criação de emprego sustentável, pelo que cabe desenvolver uma geração de políticas estruturais, particularmente conferindo estabilidade do emprego criado neste setor, pois este assenta sobretudo no recurso dos contratos de trabalho a termo ou aos contratos de trabalho intermitentes- modalidade de trabalho aplicável a empresas que exerçam atividade com descontinuidade, em que as partes acordem que a prestação seja intercalada por um ou mais períodos de inatividade. e, deste modo, por instabilidade dos vínculos laborais e um nível salarial baixo. Num contexto global de forte retoma de mobilidade das pessoas, após pandemia, o potencial em turismo do País, justifica a existência de um plano integrado de sustentabilidade que -articulando a vertente social económica e da cultura- envolva as populações do País (a nível regional e local), na atividade de conservar e valorizar os recursos existentes, em prol de um desenvolvimento propício a um investimento estruturante. De facto, esse grande potencial de dinamização da atividade turística nacional, não se tem feito acompanhar de uma estratégia coerente e de sustentabilidade. No caso da habitação, cabe desenvolver uma estratégia para resolver o problema de acesso à habitação, em especial apoiando  jovens e famílias da classe média. Daí a estratégia de uma linha de financiamento inscrita no PRR, para os municípios investirem em parque habitacional público com rendas acessíveis. Atendendo a que ,na última década, o preço das casas aumentou a um ritmo quase três vezes superior ao do rendimento médio das famílias portuguesas, uma das soluções apresentadas no quadro da implementação do PRR será não só a de promover a aquisição da habitação a preços acessíveis como a de garantir a existência de oferta de habitações de rendas acessíveis no parque de habitação pública. O denominado "Parque Público da Habitação a custos acessíveis conta com uma dotação total de 167,8 milhões de euros, para garantir a oferta de 1590habitações, em Portugal, a custos acessíveis até 2026. De referir que este investimento incorpora as discussões associadas ao ambiente, por exemplo. promovendo a construção nova com elevados padrões de eficiência energética e reabilitação de edifícios, mediante a melhoria do seu desempenho energético.. O preço das casas em Portugal continua a subir, e, os mais recentes dados do INE, relativos a Julho último, indicam que o valor mediano da avaliação bancária, realizada no âmbito do crédito à habitação, registou um aumento de 2% face ao mês de maio(1380euros por metro quadrado)sendo o registo mais alto desde Janeiro de 2011. Em comparação com junho de 2021, o valor mediano das avaliações subiu, em particular no Algarve e em Lisboa, justamente áreas pressionadas pelo turismo. O aumento de venda de casas no último ano levou a uma quebra do stock do parque habitacional português disponível no segundo trimestre deste ano, face ao mesmo período do ano passado , especialmente no Algarve, Lisboa e Porto. Esta situação mostra que é preciso responder com políticas públicas, ao problema das assimetrias no País, no que respeita ao acesso à habitação em zonas de maior pressão e de maior procura, como Lisboa, Porto e Algarve. Sendo o turismo uma atividade estratégica para a economia portuguesa, parece inquestionável que só através de uma visão resultante de políticas implementadas de forma sistémica, permanente e constante, será possível reduzir os desequilíbrios territoriais do País e se poderá responder aos desafios de um desenvolvimento nacional sustentável. Desde logo, será determinante que tirando proveito dos recursos existentes, o turismo português mostre capacidade de representar a diferença através de uma promoção articulada de diversos fatores chave de atração - como o clima ameno, a costa marítima, a paisagem interior, a oferta histórico-cultural e as infraestruturas e que se dinamize a promoção turística do País, desde o litoral ao interior. O interior do nosso país, despovoado, envelhecido e periférico carece de iniciativas que, a diversos níveis o revitalizem. De salientar que os territórios do interior de Portugal continental gozam de uma posição privilegiada no contexto ibérico, que tem sido desvalorizada ou mesmo ignorada. Desde logo, porque nestes territórios existe um enorme potencial que importa "reavivar", promovendo um equilíbrio ordenado do território, numa lógica de articulação entre o Estado e as autarquias locais. A valorização da dimensão territorial constituiu um importante desafio, para o nosso ciclo de utilização de fudo europeus. Para isso, é preciso promover uma efetiva coesão territorial ao serviço do desenvolvimento do País, garantindo a coordenação de várias políticas setoriais. Sendo necessário repovoar e redinamizar os territórios de baixa densidade, implementando um programa nacional para a coesão territorial, que promova o desenvolvimento do território do interior. Também aqui, o crescimento do turismo se torna estratégico para redirecionar os esforços de valorização do interior do País que, em muitos casos, representam um amplo conjunto de recursos subaproveitados. Portugal encontra-se a perder muito da sua identidade cultural e este facto é negativo, não só para o País e para os portugueses como também para a economia, em particular para o turismo. Num mundo globalizado, em que a cultura local tem um papel decisivo e insubstituível na afirmação da atividade dos territórios, é do interesse de cada Estado criar mais oportunidades para dinamizar os territórios e os equilíbrios do País. É necessário pensar na salvaguarda do meio ambiente associada ao turismo. Portugal enfrenta uma inédita mudança demográfica devido quer à diminuição da taxa de natalidade, quer ao aumento da esperança média de vida, e os dados do INE, confirmam a redução progressiva da população, assim como um acentuado envelhecimento no interior do país, com a grande maioria da população fortemente concentrada no litoral e nas zonas urbanas. Acresce que em Portugal, entre 2008 e 2013, a emigração permanente mais do que duplicou, e, só entre 2011 e 2015 deixaram o país, a título permanente, cerca de 250mil pessoas. Ora enfrentar este problema de despovoamento do interior do país, e das zonas rurais, é uma prioridade política para o país. o setor do turismo assume um papel importante na economia nacional: é uma atividade económica abrangente que gera emprego durante todo o ano, que preserva o território, o ambiente e os seus recursos, numa constante valorização do património, da natureza, da cultura e das comunidades locais.. Tem a particularidade de ser uma atividade especialmente vocacionada para a revitalização da atividade económicas, sobretudo nas regiões do interior, valorizando os recursos endógenos, criando polos de atração e fixação da população, construindo novas oportunidades de desenvolvimento. O setor do turismo é muitas vezes designado de "motor da economia nacional". O reconhecimento do papel central do turismo na economia é essencial para podermos aproveitar oportunidades e ciar novo paradigma,- o turismo do futuro -,onde o compromisso com a sustentabilidade se reveste de inédita importância. É necessário criar as bases para um turismo responsável, sustentável e inovador, em resposta ao crescimento exponencial da procura, à realidade da transição ecológica da nova era digital. O turismo do futuro deve contribuir de forma mais equilibrada para o crescimento económico, assegurando a sustentabilidade da atividade turística e preservando o património existente. Neste contexto, para implementar estratégias de longo prazo, Portugal deve: estimular e apoiar negócios de turismo competitivos e sustentáveis; melhorar a qualidade de vida dos residentes e dos profissionais do setor turístico e planear, desenvolver e gerir o turismo de acordo com os princípios do turismo sustentável.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

OS EFEITOS DA INFLAÇÃO NA VIDA DAS FAMÍLIAS

 Pela primeira vez, em quase um ano, a inflação em Portugal interrompeu a tendência de aceleração com os produtos energéticos a darem uma pequena trégua, a variação homóloga do Índice de Preços (IPC) abrandou ligeiramente em agosto para 9%, o que se compara com 9,1% em julho. Mas os dados do INE  servem de pouco consolo às famílias. A inflação está em níveis que não eram vistos no país há quase três décadas, e, apesar da enorme incerteza, ainda não atingimos o pico. Além disso, os preços dos produtos alimentares continuam a acelerar. Com os salários a não acompanharem a inflação, perdendo poder de compra, e, os bens essenciais entre os preços que mais sobem, as famílias de menores rendimentos, são as mais penalizadas. Mas a classe média também sofre. A inflação tem efeitos pesados sobre as famílias, que se repercutem de forma desigual, ao longo da distribuição de rendimentos.. As famílias mais pobres são as mais atingidas, mas também nas famílias de classe média, a escalada de preços faz-se sentir de forma profundamente desigual. Porquê ? Há vários fatores a ter em conta, mas um dos mais importantes passa pelos padrões diferenciados do consumo das famílias, consoante o seu nível de rendimento. Para calcular a inflação, o INE, considera como referência um cabaz de consumo "médio" a partir dos dados do Inquérito à Despesa das Famílias (IDEF) Só que os dados desse inquérito permitem concluir que "o peso do consumo de bens essenciais, como a alimentação e energia, no consumo total é muito superior nas famílias mais pobres. Por exemplo, em 2015/2016- anos a que se refere o último inquérito disponível-, os produtos alimentares (incluindo bebidas não alcoólicas) representavam 19,6% da despesa total dos 20% com menores rendimentos no país. Já no caso das famílias nos 20% com maiores rendimentos, esse peso era de 11%, sendo a média de 14,3% O mesmo acontecia com as despesas de habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis que representavam 35,1% da despesas total das famílias que se encontravam entre as 20% mais pobres, por contraponto a 29,6%, no caso dos 20%com maiores rendimentos. Como a energia, e os produtos alimentares contam-se entre os preços que mais têm subido, isto significa que as famílias mais pobres estão a enfrentar uma taxa de inflação mais alta do que o valor publicado pelo INE, porque o peso dos bens essenciais do seu cabaz de consumo é superior ao que têm no cabaz médio considerado pelo INE, no cálculo do IPC. O peso de cada categoria de bens e serviços no cálculo da inflação é função dos dados agregados de consumo, ou seja, as famílias com mais meios, e, que consequentemente gastam mais em consumo têm um peso desproporcional. Há estudos que mostram que, por esta via, a inflação a que de facto estão expostas as famílias mais carenciadas é sistematicamente mais elevada. Por exemplo, no estudo da Deco. que desde fevereiro tem seguido os preços de um cabaz de bens essenciais, e, cujo crescimento dos preços foi bastante mais elevado do que a taxa de inflação agregada. Segundo os dados do Inquérito à Despesa das Famílias (IDEF), a inflação provoca desigualdade. A subida dos preços nos produtos alimentares e na habitação- onde se incluía a energia- é terrível para as famílias com menores rendimentos. Acresce que as famílias mais ricas têm margem de ajustamento. Podem cortar nas despesas não essenciais ou diminuir a poupança. Os mais pobres não têm essa margem, daí a importância das políticas do lado das famílias se centrarem nos mais carenciados. O impacto nas famílias irá depender do tipo de medidas que o Governo adotar, sendo crucial ter alguma forma de apoios, seja pela via fiscal, ou de transferências. A inflação afeta de forma desproporcional as famílias mais desfavoráveis de outras formas: as pessoas com rendimentos mais baixos têm um poder de negociação salarial tipicamente mais baixo, pelo que têm muito mais dificuldade em diminuírem as perdas de valor real nos salários. Por outro lado, também tendem a ter níveis de instrução mais baixos, pelo que num país que está na cauda da Europa, também em termos de literacia financeira, significa que estão muito pouco preparados e /ou informados sobre estratégias que possam adotar para abrandar os efeitos da inflação. A classe média também sente os efeitos da inflação. Aqui, uma das principais questões, prende-se com o aumento dos encargos financeiros co crédito à habitação, por causa da subida dos juros, na sequência da persistência  do BCE para travar a inflação, bem como a subida das rendas de casa. As famílias mais penalizadas pela inflação são as que têm rendimentos assegurados(em particular por efeito do desemprego), e, as que têm rendimentos fixos, trabalhadores por conta de outrem e pensionistas. É certo que algumas dessas partes beneficiam de alguns apoios sociais, mas são em geral insuficientes para compensar a perda de poder de compra e deixam de fora pessoas que têm rendimentos muito baixos, mas acima do limiar dos apoios. No entanto, a redução do desemprego, sobretudo os mais jovens, é uma notícia positiva.  Ainda não há indicadores disponíveis que mostrem o agravamento da desigualdade por causa da inflação, com consequências profundamente desiguais nas famílias, sem haver alterações nos indicadores oficiais da pobreza e desigualdade ( como o índice de Gini), se não houver alterações na distribuição de rendimentos em termos nominais. podem ter uma forte deterioração das condições de vida das pessoas, e os indicadores de pobreza e desigualdade não o refletirem, porque as estatísticas oficiais baseiam-se nos rendimentos, médios em termos nominais e não captam esses efeitos. É nos indicadores de pobreza que os impactos da inflação irão surgir. Depois de ter sofrido a maior queda em termos reais, em pelo menos sete anos, o salário médio em Portugal, deve continuar a evoluir abaixo da inflação, ou seja continuar a perder poder de compra. O que explica esta evolução? As empresas estão pressionadas pelo aumento de custos, limitando a margem para aumentar salários, e, como a inflação está a ser induzida sobretudo, pelos choques da oferta, significa menor procura dos trabalhadores e menor pressão em alta dos salários. Acresce a existência de limitações à concorrência na contratação dos trabalhadores, que leva a menores aumentos, bem como a a contenção salarial na Administração Pública. No Estado irá aumentar a pressão dos sindicatos, mas penso que os aumentos irão ficar muito aquém da inflação, o que significa quedas em termos reais. Quanto ao setor privado, a perspetiva de abrandamento ou mesmo recessão, na sequência da subida dos juros, deverá levar a uma menor procura de trabalhadores e menor pressão para aumentar salários e às dificuldades de muitas empresas mais expostas à concorrência internacional de aumentarem os custos, sem porem em causa a viabilidade do negocio.

A subida dos juros irá provocar uma recessão ? Alguns economistas não preveem a inviabilidade de uma contração económica , na sequência de uma subida  das taxas de juro, mas admitem que a recessão possa estar à espreita, na consequência de fatores negativos- que vão muito para além do desempenho da equipa chefiada por Lagarde. Um cocktail, onde se acrescenta também a crise energética e as disrupções nas cadeias globais de abastecimento. Alemanha e Itália são os países onde a probabilidade de recessão é maior, mas não é uma consequência apenas do aumentos dos juros, mas sim da elevada inflação e da forte incerteza e pessimismo sobre o fornecimento de energia, ás quais acrescem a subida dos juros. O extremar das posições relativamente à importância de gás natural da Rússia aliada, às mais do que previsíveis subidas acentuadas das taxas de juro, são os principais fatores a sustentar as previsões de uma recessão. A política monetária mais restritiva vem juntar-se às dificuldades já criadas pela pandemia e pela guerra da Ucrânia, pelo que parece difícil a Europa escapar a uma recessão. A questão será perceber se essa recessão é mais ou menos profunda ou duradoura, e, aí a política monetária poderá pesar muito. Se se concretizar o arrefecimento na Europa, Portugal não deverá escapar incólume. A cresce que o país está mais exposto ao aumento dos juros, dado os níveis de endividamento ainda elevados, e a maior parcela de taxa variável nos contratos, nomeadamente no crédito à habitação. Será principalmente no quarto trimestre em que sem o turismo para ajudar, e, com os efeitos das mais que prováveis subidas das taxas de juro, que poderemos ver um abrandamento mais significativo da economia.. O abrandamento da economia, por si só, não resolverá a inflação. Precisamos de continuar a normalizar a política monetária. As forças subjacentes ao abrandamento da economia são muito semelhantes às que estão a fazer subir a inflação. O que queremos evitar é uma situação semelhante à da década de 70, que também começou com um choque energético. seguido de efeitos de segunda ordem, que tornem a situação muito pior. O abrandamento da economia reduzirá as pressões do lado da procura, o que fará baixar a inflação. O nível de inflação que temos agora na Europa está a causar dificuldades às famílias com baixos rendimentos Por isso, é muito importante que a política orçamental desempenhe um papel ativo no alivio das dificuldades causadas pela inflação a estes grupos vulneráveis.. Reduzir a procura de energia na Europa, é a melhor forma de reduzir a  dependência da Rússia.

sábado, 30 de julho de 2022

O CRESCIMENTO ECONÓMICO PORTUGUÊS

 A questão mais relevante do crescimento económico português da última década, é o seu modelo de especialização. O problema consiste no facto de não termos resolvido as nossas debilidades produtivas, e, de pelo contrário, se ter acentuado a tendência de concentrarmos recursos em setores e atividade de baixa criação de valor, baixos salários, e, portanto baixa produtividade. Nas últimas quatro décadas "verifica-se que o setor dos serviços" é aquele que se expande em fase de retoma, mas que se retrai despropositadamente em fase recessiva, manifestando uma enorme volatilidade. Mais recentemente "o crescimento do PIB" entre o primeiro semestre de 2014 e o mesmo semestre de 2017, pode ser explicado pela forma como evoluíram três fatores: forte crescimento do emprego, quase estagnação do produto por trabalhador( uma das medidas da produtividade), e ligeiro receio da taxa de atividade. Ou seja: a recuperação do emprego ocorrida a partir de meados de 2013, significou mais do que uma variação quantitativa dos níveis de emprego e desemprego. Neste período, a estrutura do emprego, a sua distribuição por escalões etários, níveis de escolarização e ramos de atividade económica, alterou-se substancialmente. Concretamente, os ramos que criaram mais emprego, foram precisamente aqueles onde se pagavam salários abaixo da média nacional, enquanto se verificava a destruição de postos de trabalho em atividades com salários acima da média. A questão é clara: precisamos de política industrial e de uma estratégia para reduzir a dependência dos serviços, dos baixos salários, e, portanto dos "incentivos" à persistência de um sistema de emprego demasiado assente na baixa organização e na escassa produtividade. Não é preciso dizer que, nos dias de hoje, uma política industrial não é industrialização "à moda antiga" ; é uma estratégia organizacional produtiva, de redução de baixa qualificação das empresas, de incentivos ao uso do trabalho, no quadro das relações laborais adequadas e de estruturação não dependente da economia nacional. Há duas circunstâncias do crescimento que não podem ficar de fora, e, sem o qual este processo se degrada: a repartição dos benefícios com lugar para a melhoria da inclusão social e a quebra das dependências (incluindo a energética) e dos desequilíbrios do País (incluindo o ambiental e o territorial) Como ultrapassar a crise? A inovação e a criatividade são fatores centrais de uma nova confiança, de uma ambição global, de uma capacidade de construir soluções para novos problemas, e, de uma resposta à crise. Impõe-se por isso, uma cultura de mudança.. O nosso país desenvolveu -se nas últimas décadas abaixo das expetativas geradas pela nossa adesão à UE, apesar da importante melhoria, quer do nosso PIB per capita, quer dos nossos indicadores sociais. Isso deve-se a três razões principais: a nossa falta de escala/ em termos internacionais; o ser um país periférico do seu mercado europeu; e insucesso na atração de investimentos para o País, que apostem nas redes/cadeias de valor institucionais. Esta questão da fraca produtividade de capital externo para investimento em projetos de competitividade global, é a questão mais importante: Por algumas razões, não temos conseguido fazê-lo com sucesso, nos últimos vinte anos, e, sem uma estratégia ambiciosa que inclua esta vertente, não havia desenvolvimento sustentado no País. Depois de dois anos de pandemia, que todos os países tiveram de enfrentar, e agora com a guerra na Ucrânia, cujos efeitos a nível mundial, ainda estão por apurar(além da inflação que se sente), há que somar as dificuldades resultantes das questões climáticas e ambientais, e, ainda um grave problema; o acelerado envelhecimento da população. Não creio que a guerra na Ucrânia não seja afinal temporária, o que significa que o nosso país terá de enfrentar ainda, além dos efeitos da pandemia, que persistem, os efeitos mais prolongados da inflação. Vejamos algumas questões estratégicas, que considero determinantes para o desenvolvimento sustentado a longo prazo do país.

1- Que no mínimo se cumpram os objetivos ambiciosos já traçados, no que respeita às questões climáticas, à biodiversidade e ao fenómeno do degelo, sabendo que o nosso clima temperado, tenderá a aproximar-se ao longo do século, de um clima mais tropical do que temperado;

Que se fomentem sub-regiões ibéricas de desenvolvimento integradas para que os projetos estratégicos dos dois países se realizem, e, as empresas portuguesas ganhem escala internacional;

3- Que se implemente uma política de imigração(jovem e qualificada), para reduzir o risco de envelhecimento e diminuição da população ativa que se tem verificado no país;

4- Que se reforcem medidas de incentivo ao investimento estrangeiro, estimulando que o país se integre nas redes de cadeia de valor internacionais;

5- Que haja uma melhoria da nossa competitividade externa e eficácia organizacional pela adoção da "internet das coisas" e da inteligência artificial nas empresas e no funcionalismo público;

6- Que se aposte na economia do mar, como um setor estratégico, de que pouco se fala;

7- Que se contribua para que o projeto europeu se reforce coo um bloco, e, que o modelo democrático ocidental fortaleça a sua componente de criação de valor.

Um programa para a competitividade associado à recuperação desta crise, tem que impor dinâmicas efetivas de aposta na tecnologia, seja ao nível da conceção de ideias novas, de serviços e produtos , seja, ao nível da operacionalização de centros modernos rentáveis de produção, seja sobretudo, ao nível da construção  e participação ativa em redes internacionais de comercialização de produtos e serviços O imperativo de uma nova ajuda, deverá consolidar novas perspetivas para o território. Portugal tem uma oportunidade única de potenciar um novo paradigma de cidades médias voltadas para a qualidade, a criatividade e a sustentabilidade ecológica. Este ano e os próximos irão ser decisivos para a economia e sociedade portuguesas. Está em cima da mesa, no contexto da consolidação e integração europeia, a capacidade de o nosso país conseguir efetivamente, apresentar um modelo de recuperação estratégica, sustentada para o futuro. Em tempo de crise, os recentes acontecimentos, à volta da agudização da crise, vieram uma vez mais demonstrar que existe no nosso país, uma minoria silenciosa que de há anos a esta parte, mantém o status quo do sistema paralisado, e, a pretexto de falsas dinâmicas de renovação social e reconversão económica, tenta reconciliar o caminho do futuro, com as mesmas soluções do passado, influenciáveis no contexto da mudança, como aquele em que vivemos. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

A EVOLUÇÃO DA INFLAÇÃO EM PORTUGAL

 A inflação é uma subida generalizada dos preços na economia. E traduz-se, na perspetiva das famílias, numa perda de poder de compra do seu rendimento nominal. Pode assim também ser vista como uma desvalorização da moeda. Uma inflação baixa, estável e previsível é boa para a economia. Isto é, permite que os diferentes atores, de forma relativamente independente, usem os sinais contidos nos preços, para tomarem decisões no seu melhor interesse, e, por essa via, ajudarem a que a economia produza resultados eficientes em termos de bem-estar individual. A inflação pode ser medida de várias maneiras, mas a generalidade dos países tenta medir um índice de preços no consumidor, no caso de Portugal usa-se o Índice de Preços no Consumidor (IPC). Temos inflação em Portugal? Sim a taxa de variação homóloga do IPC está atualmente nos 9,1%. A questão é perceber se a inflação observada em Portugal, reflete alterações nos rácios dos preços, que por definição, não geram persistência, ou, se pelo contrário, resultam das consequências da política sanitária, fiscal e monetária adotada nos EUA e na zona euro durante os anos de pandemia, entre Março de 2020 e Dezembro de 2021. No caso de Portugal, a inflação começa a notar-se no IPC, a partir de Dezembro de 2021. Se  o fenómeno fosse exclusivamente monetário, o fator comum na variação dos preços seria dominante. Continuaria a haver dispersão nas variações dos preços, mas todas as classes de bens teriam um choque detetável na variação do seu indicador de preços. A enorme subida  é aliás tão grande que não forma expetativas de inflação idênticas para o futuro. Pelo contrário, se os operadores do mercado identificarem quebras nas cadeias de abastecimento como razão próxima das variações abruptas dos preços, seria até de esperar uma descida dos preços nos bens compensatória quando se atingisse uma maior coordenação contemporânea entre a procura e a capacidade de produção e fornecimento dos vários tipos de matérias-primas, bens e serviços. Por outro lado, o estímulo monetário, nos EUA e na zona euro euro, foi brutal, o que em si mesmo deveria gerar inflação. Acresce que as economias desenvolvidas mantiveram o regime geral de rendimentos do trabalho num contexto de fortes condicionamentos à atividade produtiva resultantes das restrições sanitárias adotadas. Em síntese, há bons argumentos para defender que a inflação observada em Portugal tem elementos transitórios mas também permanentes. A verdade, neste caso, parece estar nos dois lados. Ou seja, a inflação poderá baixar um pouco mesmo que não seja combatida, mas dificilmente baixará o suficiente se a Reserva Federal americana (FED) o BCE, mantiverem uma política acomodatícia. Os sucessivos choques de oferta e de procura que atingiram a economia global desde os finais de 2019, as políticas económicas. e, recentemente, a escalada dos preços de energia ampliada pela invasão da Ucrânia, originaram um aumento das taxas de inflação nas economias do mundo ocidental. Será que elevadas taxas de inflação e vão prolongar no médio prazo? Por um lado, a situação atual encerra já, em si mesma, ingredientes de travagem que assegurarão o retorno a níveis próximos da fasquia de 2%, na economias do ocidente, e não em 2023, pelo menos em 2024. Por outro lado, não há dúvida, que existem riscos de "enquistamento" de taxas de inflação sustentadamente mais elevadas, do que no passado recente, sobretudo pelo esforço da transição energética e recuo da globalização. A pandemia, numa fase inicial, causou sucessivos choques de procura e de oferta, à medida que as economias navegavam entre confinamentos e vagas sucessivas e descontroladas. Depois, numa fase posterior, já com políticas orçamentais a apoiar fortemente, e, a suportar a procura, prevalecem os choques da oferta, pois as vagas refletiam-se sobre as cadeias logísticas e interromperam fluxos comerciais e de produção , de forma inesperada, em todo o mundo. Complementarmente, e, ainda com impacto atual, as políticas de covid, na China, importante fornecedor mundial, e, interveniente nas cadeias de valor, têm-se refletido no prolongamento dos designados estrangulamentos da oferta, adicionando às pressões inflacionistas. mas esperava -se  que a médio prazo, a inflação normalizasse gradualmente, à medida que os reflexos da pandemia se atenuavam, e, a oferta iria progressivamente dando resposta à procura acrescida.  A invasão da Ucrânia, em 24 de Fevereiro de 2022, veio alterar este desequilíbrio, acrescentando novos intervenientes, muito evidentes no disparo dos preços dos combustíveis, minerais e alimentação. Para tal, contribuíram, por exemplo as baixas reservas de gás na Europa, petróleo e carvão, com a Rússia a reduzir o seu abastecimento no mercado spot de gás, e, com o aumento das importações de energia da China, devido a problemas nas suas mina de carvão, e, que foram agravadas este ano pela guerra na Ucrânia. Acresce referir que os mercados futuros preveem que a pressão sobre os preços de energia será de longa duração. Vivemos por isso, num mundo incerto, que se caracteriza por elevadas taxas de inflação no imediato, resposta dos bancos centrais e do mercado- as taxas de juro já aumentaram cerca de 75p.b. desde o início de 2022-encarecendo o financiamento perspetiva de menor liquidez no mercado do dólar e de paragem das ações de liquidez no mercado do euro. Em suma, uma envolvente certamente mais restritiva, quer do ponto de vista financeiro, quer também porque o encarecimento de bens essenciais, com procura pouco elástica, dado o reduzido grau de substituibilidade, se refletirá em menor consumo e investimento. Ou seja, dado o atual enquadramento em 2022- 2023, perspetiva-se menor crescimento que aquele que se previa antes da guerra da Ucrânia; mais inflação a curto prazo, bem como taxas de juro mais elevadas, em resposta ao aumento das pressões inflacionistas. Todavia, a médio prazo, não nos parece que os fatores de influência se tenham alterado de forma radical. Questões como o abrandamento do processo de globalização, a tendência para uma maior verticalidade  e proximidade das cadeias de produção, e, a transição energética, tendem a suportar as taxas de inflação mais elevadas. Ora taxas de inflação elevadas reduzem a capacidade aquisitiva das famílias, o poder de compra e pesam nos custos operacionais das empresas. A inflação tem também impacto muito diferenciado em termos individuais, consoante o rendimento, a capacidade de poupança e a situação patrimonial; nas empresas consoante o setor e a estrutura produtiva, ilustrando esta desigualdade, estimamos que a taxa de inflação em termos de bens essenciais, para indivíduos com menores rendimento, no próximo quantil da distribuição, seja de 1% mais elevada do que a taxa global. Um aumento das taxas de juro de referência irá trazer níveis de acomodação muito precários, pois os níveis de endividamento das famílias e dos Estados, são muito elevados, em comparação com a década de 70, levando a uma maior carga do serviço da dívida. Adicionalmente, um cancelamento do programa de aquisição de ativos, arriscará uma repetição da crise das dívidas soberanas, com a abertura, mais uma vez, de fendas neste bloco, com um disparar dos spreads soberanos na periferia da Zona Euro, constituindo um entrave à intervenção pública,( condenada a nível europeu), na resolução dos problemas e na mitigação dos seus efeitos. Ou seja, uma alta das taxas de juro, pode ser estrategicamente auto derrotista, por ser dificilmente compatível com desafios, como o investimento na reconfiguração da economia(transição energética e digital), e por contrariar desígnios socie tais e estratégicos, como a desindustrialização e a anatomia tecnológica. Serão necessária medidas de sentido micro setorial, e, não uma mera postura micro/monetarista para gerir a turbulência na conjuntura, e, assegurar as novas condições estruturais. Assim, é necessário afastar para já "caçadeiras de canos serrados" e, priorizar a adoção de "armas de precisão", que tenham por objetivo os pontos de pressão estrutural. A curto prazo, as armas necessárias serão, instrumentos de natureza administrativa, dirigidos aos focos que surgem em setores que são muito concentrados, atenuando a contaminação do resto da economia: tetos de preços nas cadeias de valor da energia e a imposição de margens na área de distribuição moderna de bens de consumo (cadeias de supermercado, etc) Tais ações deverão eventualmente coexistir com medidas desenhadas para controlar riscos resultantes da indústria financeira e que podem vir a destabilizar outras componentes da economia. A longo prazo, defende-se um programa de investimento transformador da realidade económica, ao nível dos fatores de produção mais fundamentais, visando necessariamente maior autonomia energética e alimentar ( o que tem uma grande sobreposição com o combate às alterações climáticas, e, da qual não pode ser dissociada). Isto implica uma mobilização de recursos, para esse efeito, que agravará as pressões inflacionistas, que se fazem sentir atualmente, sendo por isso necessário o acompanhamento de medidas que ajustem a utilização desses recursos para outros fins, de forma a que se incentive o reinvestimento em mecanismos viabilizadores  de autonomias e de atenuação de volatilidades. Estas implicam estratégias explícitas na mobilização da capacidade produtiva para o " bem comum": limites qualitativos, por setor, e quantitativos ao crédito concedido, reformulação do enquadramento institucional do financiamento público, regulação do perímetro do portfólio de investidores institucionais; são algumas das opções a fazer parte deste conjunto. Este mix de medidas não deveria ser entendido como "economia de guerra", no entanto, devem ser alongadas as medidas de curto prazo e ter uma lógica prospetiva e sustentada de longo prazo. O aumento permanente da taxa de inflação, implicará mais tarde ou mais cedo, uma alteração da política monetária seguida pelo BCE, algo potencialmente devastador para os países da zona euro que estão mais endividados. Ganhou-se ainda consciência da necessidade de aumentar o nível de segurança militar, na Europa, o que vai exigir um aumento da despesa pública neste setor, o qual deve ser conseguido através da cobrança de mais impostos e/ou corte de financiamento de outras áreas de intervenção do Estado. Ao mesmo tempo, prepara-se uma revolução na forma como o bloco europeu se organiza para suprir as suas necessidades energéticas, sendo este um movimento que criará, seguramente, muitas oportunidades de crescimento no futuro.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

O DESAFIO DA INOVAÇÃO EM PORTUGAL

 Um dos desafios para esta década será o de promover um desenvolvimento sustentável, assente na inovação, e, capaz de assegurar uma repartição da riqueza mais justa do ponto de vista social. O País confronta-se com inúmeras desigualdades com forte impacto social. Uma frágil criação de emprego, acompanhada de um aumento do número de trabalhadores pobres (working poor), que auferem salários insuficientes para satisfazer as necessidades básicas, geram dúvidas sobre o futuro do País, ao nível social. Para que a política económica, atinja um único objetivo, alcançar um desenvolvimento sustentável pressupõe um equilíbrio entre o económico e o social. Desde logo, as políticas de educação, ciência e inovação, são fundamentais para alcançar esse objetivo. Se em Portugal, assistimos nos últimos quarenta anos, a uma democratização do ensino, é ainda muito escassa a ligação entre a intervenção científica  às empresas e a sociedade. Assim , é importante promover de forma sustentável, a competitividade empresarial, na dupla dimensão tecnológica e territorial, estimulando a atração do investimento com forte valor acrescentado e de futuro; reter os trabalhadores mais qualificados; promover uma gestão estratégica do sistema, da ciência e da tecnologia; garantir a previsibilidade dos incentivos públicos, promovendo um planeamento adequado das instituições, assim como assegurar clareza e transparência no funcionamento dos agentes de política científica. Ainda importa, envolver os municípios nesta estratégia conjunta, para juntamente com empresas e universidades, desenvolverem projetos de inovação comuns. Portugal continua a ter um problema de qualificação dos adultos em idade ativa, que passa por um défice estrutural de qualificações escolares, e, que ciclicamente, pode gerar uma elevada proporção de desemprego estrutural, considerando a desadequação das suas competências profissionais, face às mudanças em curso no mercado de trabalho. Assim, cabe incentivar a educação e formação de adultos, assim como promover as redes locais para a qualificação, permitindo uma coordenação a nível regional e local. Perante o movimento da digitalização da economia, é necessário traçar uma intervenção em escala e em profundidade, para enfrentar as consequentes mudanças, prevendo um eventual aumento do desemprego de longa duração. O European Inovation Scorebord (EIS), faculta uma avaliação comparativa do desempenho da investigação e inovação dos Estados -membros da UE, e outros países europeus vizinhos, permitindo aos decisores políticos, avaliar os pontos fortes e fracos relativos dos sistemas nacionais de investigação, acompanhar o progresso e identificar áreas prioritárias para promover o desempenho na inovação. Desta investigação resultou que o desempenho da inovação, continua a melhorar em toda a UE, com os países de fraco desempenho a crescerem mais do que os países de maior desempenho. Desde 2014, a economia portuguesa caiu no ranking que mede a inovação das empresas da UE. Como promover a inovação no contexto de uma sociedade envelhecida? O Plano de Recuperação e Resiliência, inclui, igualmente, uma forte presença das questões do digital, do futuro do trabalho, e, da adaptação das empresas a esta realidade, como resposta às necessidades de curto prazo da economia, mas também a preparação das pessoas e das empresas nos próximos anos. Mutos jovens, na faixa etária dos 15-29 anos, careceu das competências digitais, e, isso criará desigualdades sociais, até mesmo um catalisador de desigualdades. Assim, é necessário tornar os recursos digitais mais acessíveis e integrá-los totalmente na educação nacional. Os jovens podem adquirir competências digitais, desde o início do ensino básico, e, o sistema escolar deve combater efetivamente essas desigualdades digitais, para que não haja um entrave ao crescimento económico. É de referir que, considerando o expectável impacto da digitalização da economia, no mercado de trabalho, nos próximos anos, urge considerar o tema da empregabilidade digital, como central nas políticas públicas laborais. Tendo em atenção, os dados demográficos, divulgados recentemente pelo INE: o número médio de filhos, de mulheres e homens, passou de 1,03 em 2013 para 0,86  em 2019. Por outro lado, 93,4% das mulheres e 97,6% dos homens do escalão etário mais jovem(dos 18 aos 29anos) não tinham filhos e mais de metade dos homens dos 30 aos 39anos, encontravam-se na mesma situação. Também, segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em 2021, foram rastreados menos de 80mil recém-nascidos, através do teste do pezinho, um indicador muito aproximado da natalidade. Os dados deste rastreio, indicam que pode ter sido batido o recorde histórico na quebra da natalidade. Como é sabido, há muito que a sociedade portuguesa envelhece. E, se esta década será exigente, a nível socioeconómico, em particular, exigindo um esforço de inovação, a verdade é que o País encontra-se extremamente envelhecido, pelo que condicionará fortemente o seu desenvolvimento . A este problema da natalidade, acresce o da emigração. A população residente em Portugal, tem vindo a diminuir, desde 2010, em resultado do saldo migratório, causa de um acentuado crescimento do volume de emigração. Portugal tem relativamente a outros países da UE, uma preparação acima da média de contratos permanentes a termo e temporário, não permanentes, assim como um elevado nível de subemprego a tempo parcial. Ora um país que não mostra capacidade para reter os mais qualificados, está a comprometer o seu desenvolvimento futuro. Trata-se de uma relevante perda de capital humano para Portugal. E se o País perde pela emigração, ano após ano, milhares de pessoas, a grande maioria jovens, é fundamental que se implemente uma estratégia de criação de emprego qualificado em setores competitivos. Daí que é urgente, compreender que a promoção da inovação, passa não só, por um investimento contínuo na educação, na ciência e na formação, como também em facilitar melhores condições de trabalho à população ativa. Estamos perante uma transformação da economia por via da digitalização, que exige a articulação das dimensões da inovação no capital humano e da inovação das instituições. Será importante, implementar uma estratégia em que assuma especial protagonismo, a valorização do conhecimento da ciência, da tecnologia e da inovação, assim como criar emprego qualificado. Portugal distingue-se por quatro fatores centrais: oferece recursos humanos qualificados, num salto único de aproximação às qualificações médias da UE, que se nota em particular nos mais jovens; um modelo reforçado de apoio ao investimento em I&D, que tem vindo a operar uma transformação no perfil de IDE captado onde ganham peso as unidades de I&D, de ensaios clínicos,( na indústria farmacêutica), e as operações em co promoção entre empresas e unidades de sistema científico e tecnológico; um conjunto de infraestruturas competitivas que ligam Portugal ao mundo; e por fim, um país aberto e pacífico que se encontra como um dos mais seguros do mundo.

domingo, 20 de março de 2022

O AUMENTO DOS PREÇOS E O NÍVEL DE VIDA DOS PORTUGUESES

 A escalada dos preços conjugada com a escassez de matérias-primas provocada pela guerra, está a criar uma crise sem precedentes, pois não é apenas uma crise energética. O aumento dos preços dos combustíveis está a ser idêntico ao que foi há cerca de 10anos entre 2008 e 2014, mas é acompanhado por um aumento geral de outros bens, o que na altura não aconteceu. Este aumento de preços e escassez de bens, começaram devido à pandemia, que implicou grandes restrições à produção e ao transporte internacional. Isso causou uma quebra da oferta, sem que tenha havido uma quebra correspondente da procura, gerando uma pressão sobre os preços, que aumentam agora muito com a guerra. Não sabemos quando vai terminar a guerra, e, o receio de a escassez se prolongar, é ele próprio um fator que leva os preços a aumentar, porque há algum açambarcamento de produtos e matérias-primas. Neste momento há restrições, não apenas no fornecimento de hidrocarbonetos, mas de outras matérias-primas e bens alimentares. Há o risco de faltarem alguns produtos, em particular os cereais. Mas não só. A Ucrânia e a Rússia são importantes produtores de fertilizantes, e, a sua falta pode ter implicações na produção agrícola a nível mundial. A globalização tornou o mundo muito mais interdependente e comprometeu a soberania em todo o tipo de produtos. Tudo o que pode ser comprado maias barato, lá fora, deixou de ser produzido cá dentro. Isto aplica-se a Portugal e a qualquer país. Na Europa, isso foi particularmente relevante, porque ao longo dos anos foi-se importando cada vez mais alimentos. O facto de estarmos na UE, reduz de forma  dramática a possibilidade de proteger a produção nacional. Estamos sujeitos às regras europeias, e, não há muito a fazer, se as nossas produções não forem mais eficientes, do que as dos outros países. A UE tem acordos comerciais com países que produzem alimentos a preços baixíssimos, e temos de perceber que Portugal não controla a sua moeda, as relações comerciais, a taxa de câmbio ou a possibilidade de apoiar as exportações. Sem isso, não podemos esperar milagres. Ainda assim, há algumas coisas que se podem fazer, como incentivar ou desincentivar certo tipo de produção. Por exemplo , a terra que se dedica a eucaliptal, pode ser para produtos alimentares. Mas, numa economia de mercado, em última análise, o que decide os níveis de produção é se ela é ou não rentável. Esta crise, afeta de forma muito assimétrica, os mais desfavorecidos. Temos dois milhões de pobres, e muitas pessoas irão ter dificuldade em comprar bens essenciais. Não é uma questão de não existirem, mas de passarem a ter um preço inacessível. Se os preços todos aumentarem 10% e os salários e pensões não tiverem aumentos, as pessoas irão perder 10% do poder de compra, o que é muito para os mais pobres. Nesse sentido, são muito importantes medidas que apoiem a capacidade aquisitiva dos mais desfavorecidos. O Governo, anunciou recentemente num pacote de 400milhões de euros, para apoiar as famílias mais desfavorecidas no acesso a bens essenciais e um desconto de 10euros por botija de gás, para as pessoas com tarifa social de eletricidade. É difícil dizer, se isso vai ser suficiente, porque os preços começaram a subir agora, e não sabemos por quanto tempo irão continuar a subir.  Poderia haver uma lógica de vouchers para consumo de certos bens, mas mais simples, será haver subsídios ou baixa de impostos na redução do IVA, para bens de primeira necessidade. Hoje, o número de bens com taxa reduzida de IVA é relativamente restrito, e pode-se ponderar a redução para mais produtos. É importante perceber quem são os grupos mais afetados, para minimizarem os custos sociais. Quais as consequências desta crise a longo prazo? Em termos sociais, as crises quando são muito prolongadas, deixam lastros que não se reduzem do dia para a noite. Estamos a passar por uma sequência perturbadora de crises, porque logo a seguir à pandemia, temos o choque emocional da guerra, e se a isto se somar uma crise longa, haverá marcas na capacidade produtiva. Em Portugal, com a pandemia, a taxa de atividade não caiu de forma abrupta .Isto significa que apesar da pandemia ter custos sociais, eles não têm nada a ver com os custos de austeridade. Por isso, se a guerra terminasse brevemente, partíamos de uma taxa relativamente baixa de desemprego, e, de um nível de escalada de preços que ainda não colocou em emergência social, uma quantidade muito grande de pessoas. O risco é a guerra não acabar e se prolongar, poderá mesmo haver um recuo dos indicadores sociais. os juros do crédito à habitação, deverão começar a subir este ano, pelo que poderá ter consequências graves para as famílias que têm acesso ao crédito. Há uma parcela da população que poderá perder algumas centenas de euros, por mês, se houver uma subida significativa, que não se perspetiva, mas o impacto social seria menos grave do que a inflação, ou o aumento de preços dos bens essenciais. Mas, conjugados todos estes aumentos, deterioram o nível de vida e, causam riscos de tensões sociais. e políticas. Não há muitos exemplos na História de períodos como o petróleo acima de 75 dólares por barril, em que isso não tenha acontecido. Poderemos assistir a uma revolta social em Portugal, pois, se temos um aumento generalizado de preços, uma subida de taxas de juro e poucos mecanismos para acompanhar a evolução dos preços, com a evolução dos salários, então há uma perda real do rendimento. A distribuição dos sacrifícios não é homogénea, e, alguns grupos podem sentir-se injustiçados. é certo que é muito difícil, passar por um período de tantas dificuldades, sem que isso se traduza em agitação social. As taxas de crescimento económico têm vindo a reduzir-se de forma sistemática, ao longo de várias décadas em todos os países desenvolvidos. Isto significa, que a vida vai melhorando, mas a uma taxa mais lenta do que no passado. A economia portuguesa tem problemas estruturais profundos, que têm a ver com 100anos de atraso na qualificação de pessoas ena industrialização. Estamos muto assentes em atividades económicas de baixo valor acrescentado, com forças produtivas de crescimento da procura e, uma concorrência internacional muito grande. Além disso, temos um nível de endividamento dos maiores do mundo, pelo que, é difícil sair disto, pois não há nenhuma receita mágica. O cenário de guerra e a subida dos combustíveis, para alguns setores mais afetados (transportes, indústrias) poderão atingir situações complexas para a banca. Os bancos admitem que poderá haver um aumento de incumprimento, decorrente dos efeitos da guerra, em especial devido à subida da inflação e à redução dos rendimentos. Não será a níveis como já alcançados na crise da Troika, mas a guerra chegou numa altura em que as economias do euro, se tinham preparado para a normalização da política monetária. Até ao inicio da invasão russa na Ucrânia, as pressões inflacionistas, faziam supor uma alteração da política monetária, com o aumento dos juros, e que se esperava vir a ser seguida, no fim de 2022, com a subida das taxas de referência pelo BCE, além do fim da compra de ativos. Porém o agravamento dos preços, é devido não à política de estímulos, mas sim aos efeitos da guerra. Os grandes efeitos colocam-se na contração da produção, acompanhada por uma subida de preços e redução do poder de compra dos consumidores, pelo que irá implicar problemas não só na concessão do crédito, como poderão ser penalizados pelo aumento do incumprimento. A política monetária do BCE está numa situação muito difícil. A inflação está a subir, mas a subida dos juros para a combater, e o fim do programa de compra da dívida, anunciada, poderão criar situações perversas em vários países europeus, nomeadamente aqueles que estão mais endividados. Ou seja, se o BCE nada fizer, terá estagflação a nível de difícil gestão. Pandemia, crise energética e guerra, coloca muitas empresas no dilema de como suportar esta subida de preços. Aumentar preços significa que o poder de compra das famílias seja penalizado, sobretudo as que têm menores rendimentos. Segundo o Banco de Portugal, em termos macroeconómicos, traduzir subidas de preços, tidas como temporárias, em aumentos salariais permanentes, é a receita para a cristalização desses mesmos preços a um nível elevado. Por outro lado, uma eventual subida dos juros, com o respetivo aumento nos custos com o crédito à habitação, seria no atual contexto de aumento generalizado dos preços, um duplo golpe no orçamento, para muitas das famílias portuguesas. As taxas Euribor refletem antecipadamente as perspetivas de evolução da política monetária, e, é muito provável que o Banco Central Europeu, inicie a sua política de normalização dentro em breve, com a inflação a sobrepor-se aos sinais de desaceleração económica, provocada pela guerra da Ucrânia. Desde o início da pandemia, que o esforço da poupança dos portugueses aumentou para níveis historicamente elevados, Entre os motivos, para o aumento da poupança, nos últimos dois anos, esteve não só o maior esforço em colocar dinheiro de lado, como forma de precaução face à incerteza, mas também as restrições adotadas para impedir um descontrolo da pandemia, que levantam as opções de consumo. Atualmente, a súbita situação da guerra na Ucrânia, e, as inúmeras retaliações, que daí decorreram, tiveram efeitos económicos e sociais imediatos, como o aumento dos preços da energia, da inflação e das taxas de juro e,  de um dia para o outro, acentuou-se a perceção de que as opções políticas da Europa iriam mudar. A dependência energética é um sinal de alarme que requer a urgente prioridade, de maior autonomia, nesta matéria, se a Europa se quiser manter como um bloco político, com voz no mundo. Da atual situação internacional, resulta a convicção de que a Europa, terá de se fortalecer militarmente. Os países menos desenvolvidos da UE, em que Portugal se inclui, é que têm beneficiado em grande escala do apoio de fundos europeus Mas as dificuldades económicas e sociais, com que nos defrontamos, não terão forma de continuar a ser disfarçadas à custa de futuros apoios europeus, pois estes irão ser submetidos, nos próximos anos, a outras prioridades. Neste contexto, são muito  preocupantes as análises sobre a situação económica e social do país. Temos uma estrutura empresarial maioritariamente de microempresas, com uma produtividade muito baixa, que absorvem uma enorme parcela de emprego, e, portanto sem criação de margens que lhes permitam o pagamento de salários mais elevado. Representando este emprego 45% do total, isso provoca um efeito de contaminação no restante mercado, tornando a estrutura salarial, caracterizada por baixos salários, o que contribui para os mais baixos níveis de PIB, e, portanto para o empobrecimento do país. Portugal tem uma grande escassez de capital, pelo que impede sustentar autonomamente o seu desenvolvimento; tem uma autonomia estratégica altamente limitada por excesso de dívida; Tem pouca capacidade de investimento próprio. Por isso o Estado português tem de estar atento à execução orçamental; pôr a economia a crescer de forma sustentável; aumentar a incorporação de fontes renováveis na produção de eletricidade; eletrificação dos consumos, quer pela promoção de mobilidade elétrica, retirando das estradas com motores de combustão, quer pelo desincentivo ao gás de botija, promovendo outras soluções de aquecimento. Também uma maior capacidade solar  irá favorecer o desenvolvimento de projetos de hidrogénio verde, outro vetor de descarbonização, que poderá ser relevante para a indústria portuguesa, e ,para outros fatores de consumo energético. Com a pressão da inflação e os juros da dívida a subir, o Banco Central Europeu prepara-se para começar a apertar a política monetária. A estratégia do Governo, que ficou clara no Programa de Estabilidade 2022-2026, é acelerar ao máximo a diminuição da dívida. A redução da dívida depende do crescimento do PIB, e da taxa de juro e dos saldos primários( sem juros). Mas os efeitos demoram sempre mais a achegar do que os juros a subir.  Por isso, é preciso ir gerindo a dívida que existe.




quarta-feira, 16 de março de 2022

UMA RECESSÃO NA ECONOMIA MUNDIAL?

 O FMI fez uma avaliação da guerra na Ucrânia na evolução da economia mundial. Havendo um ambiente de grande incerteza na economia mundial, é certo que o PIB mundial irá crescer menos do que o anteriormente esperado. Não falando da Ucrânia, em que a redução catastrófica do PIB, será o menor dos problemas, criados por esta guerra, ou da Rússia, em que se espera uma redução de 7% do PIB em 2022, as várias regiões do mundo serão afetadas de modo diferente, tendo à cabeça a União Europeia, sobretudo os países mais a leste, e mais a norte, comercialmente integrados com a Rússia. uma segunda ordem de consequências desta guerra, incide nos preços das matérias-primas, que já vinham a subir por força da produção, e, das cadeias logísticas internacionais, causadas pela pandemia- subida que se vê agora substancialmente agravada em produtos como os energéticos (petróleo, gás e eletricidade), e, os alimentares (cerais, trigo e milho). A União Europeia, será a área do mundo mais atingida por estes aumentos de preços. O País do Sul, no extremo ocidental da UE, Portugal será em termos de PIB, um dos países menos afetados. As exportações para a Rússia e para a Ucrânia, não chegam a 0,5% das nossas exportações totais, estando em causa apenas 0,2% do vinho e a cortiça,  que serão os produtos mais afetados, mas mesmo nestes dois casos, a dependência é hoje relativamente reduzida. Se  em termos de crescimento do PIB, Portugal será um dos países menos afetados, em termos diretos, indiretamente, as coisas agravam -se pela excessiva concentração das nossas exportações, nos mercados da UE. Já em termos de inflação. seremos dos mais atingidos, pela dependência do país em matéria de importação de produtos alimentares e energéticos, com destaque para a importação de trigo, tanto na Ucrânia como na Rússia. Acresce no âmbito da UE, a nossa pobreza relativa, e, em termos mundiais, os níveis de endividamento extremamente elevados no Estado Português. Nenhuma empresa que compre matérias-primas ou energia, ou serviços de transporte à escala internacional, poderá deixar de tentar diversificar fontes de abastecimento, em busca de condições mais favoráveis e de ter consequências no aumento dos seus custos, nos seus preços de venda, em alguns casos, como mera condição de sobrevivência. Ver-se-á limitada, neste exercício, pelos seus concorrentes e pelos compradores dos seus produtos. Em concorrência, acabará sempre por sofrer uma diminuição das suas margens de lucro; em monopólio sentir-se-á  tentada a aproveitar a oportunidade, pondo do lado do Estado o dever de reprimir, o que nas atuais circunstâncias, não passa de um crime agravado. Crítico, neste exercício de repercussão, será a tentativa de reproduzir o aumento dos preços dos bens de consumo, e do custo de vida, nos salários. Crítico, porque num regime de moeda única, como aquela em que vivemos, será necessário "ter os olhos abertos a 360graus; ver o que se passa nos outros países dos nossos concorrentes, sob pena de danificarmos ainda mais, a competitividade externa do nosso país. Uma subida dos preços dos produtos importados, que não controlamos, imporá sempre uma descida do nosso nível de vida. Á seca e à escalada de preços na energia  e nos combustíveis, juntou-se a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, dois dos maiores fornecedores de cereais, desencadeando uma subida descontrolada do custo das matérias-primas essenciais para a produção alimentar, e que pode provocar uma escassez que obrigará à imposição de racionamento em Portugal. Os preços de vários produtos básicos irão disparar 20% a 30%, brevemente, tornando-se inacessíveis a milhares de famílias de baixos rendimentos. As carências alimentares vão atingir um nível como há muitos anos não se via. O stock de alguns produtos, como a farinha para massas, é muito reduzido e daqui a poucos meses podemos ter de fazer racionamentos, como aconteceu nos anos 70. Por enquanto, ainda não se registam ruturas de produção, mas há uma pressão de preços absolutamente inédita. A conjuntura, está a criar um tal clima de ansiedade, que no setor alimentar teme-se que possa haver, uma corrida aos supermercados, para antecipar os aumentos. Podemos ter no retalho, um cenário idêntico às filas nas gasolineiras. No campo dos cerais, a dependência de Portugal face ao exterior, é quase total. No trigo, a produção nacional só cobre 5% a 10% do consumo, mas neste ano, devido à seca, ficou próximo de zero, e, admite-se que haja escassez em alguns produtos. No que diz respeito ao milho, a guerra na Ucrânia, que era o principal produtor europeu, travou a fundo o abastecimento, fazendo disparar os preços. Portugal procurará novos fornecedores em países como EUA, Brasil, África do Sul ou Austrália, mas estas rotas são muito mais longínquas e dispendiosas. Em todo o setor de carnes haverá no geral, um aumento de 20% a 30% do preço final. O mesmo vai acontecer aos ovos, uma subida de 20% a 30%. No caso do leite, não é possível estimar até onde irá chegar a subida. Quanto ao gasóleo sobe, e, a eletricidade também. As rações à base de cereais também fazem parte da alimentação do peixe de aquacultura, como a dourada e o robalo, os mais consumidos em Portugal, que também deverão ter um aumento de 20% a 30%. O aumento do atum em lata, também é inevitável, devido à escassez de óleo de girassol, presente na maioria das conservas, e, cuja venda já teve de ser restringida em Espanha. O preço das conservas deverá ficar 25% mais caro, do que no ano passado. Cerca de 80% do óleo vinha da Ucrânia, mas a maioria das fábricas está a ficar sem matérias-primas. A solução passa por tentar importar este óleo de outros países, como a Argentina, substituir por óleo de soja ou de palma, que são mais caros, ou transferir o consumo para as conservas de atum em água ou azeite, o que faz disparar os preços. para conseguir conter o aumento na fatura dos supermercados, as famílias de classe média, serão obrigadas a adaptar o consumo, substituindo produtos mais caros, por outros mais acessíveis. Mais dramática é a situação das famílias de menores rendimentos, que não têm alternativas, porque já compram sempre o mais barato. Em Portugal, há dois milhões de pessoas que vivem com menos de 450euros por mês, e, têm de fazer uma enorme ginástica para conseguirem sobreviver. Não têm margem para aceitar um aumento de preços. Só lhes resta cortar. Haverá crianças a ir para a escola sem pequeno almoço e para a cama se jantar. Meio milhão de pessoas dependem de apoio alimentar. Além do aumento da procura por parte das famílias portuguesas, as instituições ainda vão ter de responder ao afluxo de refugiados. É  um barril de pólvora. A construção e imobiliário assumem-se como um dos principais drivers da economia portuguesa, por força da sua resiliência e do investimento público e privado, mas com vários riscos emergentes, ligados à evolução dos mercados financeiros, acentuados com o cenário de guerra na Ucrânia. A nível do investimento, destaca-se o excesso de carga fiscal e burocrática; a falta de capacidade administrativa, de justiça e de estabilidade política. Ao nível da indústria, a elevada fragmentação, a baixa produtividade, que a par das elevadas taxas e impostos a cargo das empresas, inibe o crescimento salarial, a falta de inovação, formação e qualificação, a concorrência centrada no preço e a falta de regulação. Recentemente, a escassez da mão de obra e de materiais, tem sido uma das maiores preocupações do setor por afetar desfavoravelmente  no planeamento e execução dos investimentos previstos. Quanto ao investimento privado, principalmente no setor residencial, o excesso de procura face à oferta, devido à maior facilidade de crédito à habitação, do aumento de poupança e da alteração das preferências dos consumidores, mas também da dificuldade em construir e reabilitar mais barato, por questões de licenciamento e custos de investimento, somando ainda a inflação, tem mantido uma tendência global de crescimento do preço das casas. Assim, fazer habitação acessível e promover a inclusão social, torna-se cada vez mais complicado. principalmente pelos custos de construção e de contexto (impostos e burocracia), pese embora, a procura possa abrandar por alteração das condições de financiamento e capacidade das famílias Quanto ao investimento publico, as entidades públicas, terão de ganhar competências e capacidades para avaliar a capacidade técnica, económica e financeira, e o impacto territorial e ambiental dos investimentos, e ainda o seu enquadramento orçamental e respetivo modelo de contratação. A falta de mão de obra, a curto prazo, poderá ser atenuada reorientando profissionalmente trabalhadores desempregados ou de outras indústrias, promovendo a mobilidade transnacional, atraindo o regresso de operários da construção civil emigrados. A médio prazo, com a crescente necessidade de edifícios e de infraestruturas, terá de ser impulsionada a industrialização do setor, a fim de desenvolver competências de caráter mais tecnológico, e, atraindo mais talento, com maior diversidade de perfis. A carência de materiais é um problema global, acentuado com a evolução mais otimista, face ao previsto, mediante a pandemia, que acabou por criar um desequilíbrio excessivo entre a produção (reduzida)  e a procura (crescente) aumentando assim os preços. Quebras nas cadeias de comércio, perturbações nos mercados financeiros, e, sobretudo, forte pressão em alta dos preços dos produtos energéticos e de várias matérias-primas, são os principais impactos económicos desta guerra. . Significam um agravamento da fatura energética das famílias e das empresas e vão refletir-se mais cedo ou mais tarde em toda a economia. Seis meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, a previsão é que a inflação mundial fique acima de 8%, e, o crescimento global diminua para metade. Várias grandes economias registaram contração na economia e a subida dos preços já triplicou em quase todas as economias inclusive Portugal e Letónia. Os bancos centrais viram-se obrigados a acelerar a subida dos juros desde os finais de fevereiro. A globalização sofreu um grande choque. O grande choque pós invasão da Rússia à Ucrânia foi a subida da inflação. Estima-se que cerca de metade da subida dos preços é devido à guerra, sobretudo por causa da energia e do setor alimentar. O resto são os problemas na oferta que subsistem por causa da pandemia, nomeadamente das disrupções que a política de "covid" na China continua a gerar nas cadeias de abastecimento globais. Se imaginarmos um "multiplicador" para medir a dimensão nas taxas de inflação, China e Letónia e Portugal surgem à cabeça. Não porque a inflação tenha subido mais em pontos percentuais, mas porque o rácio entre a taxa existente em Janeiro e a taxa muito mais alta registada em julho, multiplicou o nível de inflação várias vezes. A China tinha uma inflação abaixo de 1% em janeiro, e, subiu para 2,7% em julho. Portugal registava uma taxa pouco acima de 35, e, em julho disparou para 9,4%. Segundo as previsões mais recentes do FMI, o que a tendência global para a subida dos preços irá implicar é que a inflação mundial irá subir de 4,7% no ano passado para 8,3% este ano, com a taxa nas economias desenvolvidas a duplicar. O impacto da guerra não foi uniforme nos preços das matérias-primas que circulam nas rotas da aldeia global. Investigadores na Universidade de Oxford, salientam que foi mais severo em cadeias de fornecimento globais específicas, associadas à energia e às commodities agrícolas. Em termos geoeconómicos, os choques nos preços foram de proximidade(sobretudo na UE em matérias-primas de energia) ou, à distância na geografia de risco da fome (em economias pobres) e das importações críticas para a produção agrícola(em muitas economias emergentes exportadoras).. O aumento brutal dos preços desde 24 de fevereiro é visível em dois casos, com uma subida de mais de 150%, os fertilizantes e o gás natural cotado na Holanda(em euros), devido ao afastamento progressivo do fornecimento russo à União Europeia. No petróleo, o barril de brent, de referência na Europa, caiu ligeiramente na cotação em dólares, mas subiu no contravalor em euros, em virtude da desvalorização do euro em 8% em relação ao dólar. O índice das matérias -primas subiu 3%, mas os preços dos metais (incluindo os preciosos) desceu nestes seis meses. À exceção da Rússia, que deverá deteriorar-se quase 10% em 2022 e 2023, as previsões recentes do FMI, não apontam pra uma recessão da economia mundial. Mas é de assinalar que o ritmo decrescimento irá cair para metade este ano, à escala mundial, resvalando abaixo dos 3% em 2023. Na zona euro em 2022, o PIB cai para menos de metade e há o risco de ficar pouco acima de 1%, no próximo ano.  Em Portugal, no segundo trimestre o PIB recuou 0,2% em relação aos três meses anteriores, apesar de a economia portuguesa continuar a beneficiar do boom do turismo, que funcionou como um retardador. Na Alemanha, a maior economia do euro, e outrora considerada "a locomotiva europeia", o PIB estagnou no segundo trimestre. Desde o primeiro dia da invasão russa, 73 bancos centrais por todo o mundo subiram as suas taxas diretoras, acelerando o aperto da política monetária. Somam 250 decisões de subidas. O BCE só tardiamente, a 21 de julho, decidiu iniciar o ciclo de subida dos juros com um aumento 0,5 pontos percentuais. Uma das mudanças que trouxe a crise geopolítica no Leste, foi acelerar a retirada progressiva da economia portuguesa da zona de risco da dívida pública. Desde a invasão russa à Ucrânia, o "spread" que os investidores exigem para comprar dívida portuguesa, subiu 10 pontos-base. O prémio de risco está acima dos dois pontos percentuais. Lagarde e o Conselho do BCE avançaram por unanimidade, com uma espécie de escudo contra a especulação a que deram à sigla TPI, que corresponde ao que tecnicamente designam por Investimento de Proteção à Transmissão da política monetária.

sábado, 26 de fevereiro de 2022

O FUTURO DA GLOBALIZAÇÃO

 O Crescimento económico tem estado ligado à globalização. O rápido crescimento económico global do pós-guerra, foi acompanhado por uma célere expansão do comércio e do investimento a nível internacional.. Uma vez que vamos comprando bens e acedendo à informação, muitas vezes , sem prestarmos atenção às fronteiras nacionais, .é pouco provável que a globalização venha a recuar. Mas a expansão comercial, e, a abertura dos mercados está a parar. O sistema de comércio global, que abrange todas as exportações e importações sob a égide da OMC, está a fragmentar-se num conjunto de concomitantes acordos de comércio livre bilaterais e regionais. Uns quantos acontecimentos nos últimos anos, colocaram em evidência uma reação adversa aos ganhos desiguais da globalização. Embora haja grandes diferenças entre a decisão da Grã-Bretanha de abandonar a UE e ascensão do outsider político Trump à Casa Branca, os dois eventos revelaram muita coisa acerca do descontentamento do eleitorado com o status quo, inclusive, no que concerne à globalização. Num referendo histórico realizado em Junho de 2016, a Grã- Bretanha tornou-se a primeira nação soberana a votar a favor do abandono da UE. Algumas das sondagens, junto dos votantes, sugerem que uma reação negativa à globalização, possa ter desempenhado um papel no Brexit, a par de temas dominantes como a soberania e a imigração. O Governo do Reino Unido, tem insistido que a Gã- Bretanha, irá manter a sua perspetiva global, que constituirá um conjunto de políticas diferentes das suas atuais relações comerciais com os países que pertencem e os que não pertencem à UE, e que será seguramente importante para o futuro. Do outro lado do Atlântico, na renhida luta pela eleições presidenciais dos EUA, Trump identificou o comércio internacional, como um dos problemas que a América enfrentava e que ele resolveria de modo a tornar a América grandiosa, novamente, segundo duas regras: comprar o que é americano, e contratar quem é americano. O objetivo da globalização como resposta às dificuldades económicas, reflete um subjacente descontentamento com os benefícios desiguais resultantes da abertura global. Obama atribuiu algum desse descontentamento à globalização: a globalização combinada com as redes sociais e com informação constante, afetaram a vida das pessoas, de formas muito concretas- uma fábrica fecha, e, de repente, uma cidade inteira já não tem aquela que era a principal fonte de emprego- e as pessoas já não estão certas quanto às suas identidades nacionais ou o seu lugar no mundo. Não há dúvida de que isto produziu movimentos populistas, tanto de esquerda como de direita, em muitos países a Europa. As pessoas sentem uma desconfiança quanto à globalização, não podendo dar resposta às suas necessidades imediatas. Os benefícios da globalização, não foram equitativamente partilhados em todas as nações.  O enorme crescimento das economias emergentes nas últimas décadas, conduziu a uma maior desigualdade entre as nações, uma vez que mais países pobres foram "apanhando" o ricos numa era em que os mercados do mundo inteiro se tornaram cada vez mais ligados através do comércio e do investimento. A globalização ajudou as economias emergentes a crescer a bom ritmo, uma vez que conseguiram exportar para a América e para a Europa, ao mesmo tempo que beneficiaram do investimento ocidental. Assim, por causa do crescimento relativamente mais rápido, das economias emergentes, a desigualdade caiu em todas as nações, uma vez que o fosso dos rendimentos, se  estreitou entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Contudo, a desigualdade do rendimento global, manteve-se na sua maioria inalterada. Isto deve-se ao facto de dentro dos diversos países, a desigualdade, em média, não ter melhorado significativamente, ou, em alguns casos ter mesmo piorado. Embora, o sinal de aumento da desigualdade de rendimentos, possa ser parcialmente seguido até à globalização, isso não significa que a solução venha a ser encontrada só nas políticas  comerciais. é difícil separar os efeitos sobre as desigualdades provenientes do comércio, daqueles que emergem da transformação tecnológica, que beneficia mais, os altamente qualificados, do que os trabalhadores que se sutam a meio do espectro de qualificações. Mesmo, apesar de haver medidas que podem ser incluídas nos acordos comerciais, para garantir que se cumpram padrões adequados, no que respeita ao trabalho e à proteção do ambiente, é mais provável que as medidas de política interna, como a redistribuição e o investimento na qualificação, sejam capazes de dar resposta mais direta à crescente desigualdade. Auxiliar os perdedores da globalização e resolver a desigualdade, devia, então ser em primeiro lugar, um problema interno dos governos, em vez de uma questão do comércio. No entanto, a reação adversa à globalização leva os decisores políticos a focarem a sua atenção nos acordos comerciais, o que significa concretizar uma maior abertura é algo que está sob grande pressão. Mas a explosão do investimento direto estrangeiro que acompanhou o rápido crescimento do comércio internacional, desde o início dos anos 90. foi uma das razões que os países e desenvolvimento cresceram tão bem, que mil milhões de pessoas foram retiradas da pobreza extrema e o fosso entre estas nações e as suas semelhantes mais ricas, foi reduzido. Para os Grandes Economistas, a hipótese de poderem redefinir a forma como a globalização é gerida, seria vista como uma oportunidade de repensar alguns conceitos fundamentais. Certamente, aceitariam o desafio de reexaminar a questão de como aumentar a qualidade do crescimento económico, e, não apenas o seu ritmo; explicar como é que a economia opera em termos ótimos; e, analisar o que é que não funcionou e, como é que isso pode ser melhorado. Deste modo, os ensinamentos dos Grandes Economistas foram concluídos a partir de mais de dois séculos passados, a estudar os problemas económicos do mundo, podendo assim ajudar-nos a marcar o futuro da globalização e enfrentar os desafios atuais.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

OS DESAFIOS DE UMA ECONOMIA AZUL

 O que é uma economia azul? É o conjunto de atividades económicas que se realizam no mar, e , outras que não se realizando no mar, dele dependem, incluindo os serviços não transacionáveis dos ecossistemas marinhos. Trata -se  de uma definição ampla que abrange todos os subsetores tradicionais( como as pescas ou os portos), aos emergentes (aquacultura), aos transversais (turismo hoteleiro), aos serviços (financiamento e seguros) e à administração pública (poupança e defesa). Ficam também abrangidos nesta definição, aqueles a que nós podemos chamar de "novos subscritores", como a biotecnologia marinha, a robótica aquática, ou, as energias marinhas renováveis. Por seu turno, excluem-se do perímetro, as atividades que mesmo que tenham ou possam ter carácter económico, não são significativas ou não estão medidas em Portugal, e sobre as quais não existem dados. É uma definição que privilegia a cadeia de valor, ou seja, assume uma abordagem  abrangente, tão extensa quanto possível. De certo modo, olha-se para cada atividade e fragmenta-se a mesma em três: a atividade em si a atividade central, por exemplo, construção de navios em estaleiros), a atividade a montante (conceção de projetos de engenheira naval e a atividade a jusante o desmantelamento naval). A mesma lógica é aplicada nos estudos europeus que sobre esta matéria, vêm sendo desenvolvidas pela Comissão Europeia. Desde 2018, que se publica em Bruxelas, um estudo anual, sobre economia azul, que é o retrato mais completo de que dispomos para o espaço europeu. Embora, reconhecendo a dificuldade de estudar e comparar situações em 28/27 Estados-membros, (pré e pós Brexit) a Comissão adota o mesmo conceito de economia azul, integrando não só as atividades que se desenrolam no mar( como as pescas, a aquacultura, a energia eólica offshore, o transporte naval, as atividades portuárias e o petróleo ou gás natural.) mas também, num segundo pilar, as atividades que usam os produtos ou produzem bens ou serviços, ligados à economia azul, incluindo o processamento e retalho do subsetor alimentar marítimo, a construção naval, a biotecnologia marinha ou o subsetor segurador. Numa terceira e última dimensão, a UE, refere-se às atividades ao mar no quadro da administração pública, como seja o exercício de soberania, a proteção ambiental, e, os serviços de educação e investigação, ligados ao oceano. Traçada esta divisão puramente analítica, a UE conclui que se devem englobar no conceito de economia azul" todas as atividades económicas setoriais e multissetoriais relacionadas com os oceanos, os mares e as zonas costeiras, incluindo aquelas que se localizam em regiões interiores e nos Estados sem litoral"  A economia azul visa promover o crescimento económico, a inclusão social, bem como a preservação e melhoria dos ecossistemas, assegurando a sustentabilidade ambiental. Não pertencem ao conceito de economia azul, atividades que agridam o ambiente, que ameacem ou destruam os ecossistemas marinhos ou a biodiversidade, que não estejam alinhados com o propósito de inclusividade e de combate às alterações climáticas, ou, em geral , com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda de 2030. Um dos primeiros documentos onde esta ideia ficou consagrada, foi na declaração política aprovada, por consenso, por mais de 70 delegações de todo o mundo, na semana azul, em Lisboa em 2015. Ali se defende explicitamente que a economia azul deve promover a proteção do ambiente, o desenvolvimento sustentável, o crescimento económico exclusivo e a criação de emprego.  A economia azul é ,em suma, circular, inclusiva, descarbonizada e sustentável, como o determinam os compromissos internacionais (nomeadamente o Pacto Ecológico Europeu), mesmo que se reconheça que muitas atividades ainda têm um caminho a percorrer nesse sentido. Quais os desafios que a economia azul enfrenta? Estes desafios são, ao mesmo tempo, oportunidades de ir ao encontro dos novos mercados, tal como eles se configuram no século XXI. Não são tarefas gigantescas, nem caminhos solitários: são um convite ao diálogo permanente com a sociedade, com os poderes públicos, com as universidades ou com os financiadores. São um apelo a assumir uma abordagem globalizante, com traços novos, que se aceleraram no contexto pós- pandémico. O primeiro desafio é o do conhecimento: o mar é, ainda um imenso território inexplorado que temos de conhecer melhor, como condição essencial para dele beneficiar. Portugal é um país que é 3% do território terrestre e 97% do território marítimo, Só aprofundando o pilar do conhecimento se pode saber o que existe no solo e no subsolo, para que se cuide depois, da viabilidade económica e ambiental, e, do aproveitamento dos recursos vivos e não vivos. Só para os recursos vivos ,sabemos que o mar aloja 95% do total dos recursos da biosfera, podendo os mesmos ser usados em cosméticos. Já em plena pandemia, ficámos a saber que uma enzima marítima estará a ser utilizada no diagnóstico do vírus e que a hemoglobina extracelular, está a ser testada no quadro de combate a esta doença. Nos recursos não vivos, os materiais como o cobalto, cobre manganésio ou níquel, têm um valor industrial elevado e, são usados no fabrico de bens que usamos nos smartphones. O segundo desafio é o da sustentabilidade Hoje, e nos anos vindouros, nenhum projeto vencerá se não for ambientalmente sustentável e, se não for capaz de o demonstrar. Nunca como hoje, se falou tanto de sustentabilidade, de crescimento verde e azul, de novos modelos respeitadores do ambiente e de uma sociedade que procura  neutralidade carbónica até 2050. A atual Comissão Europeia transformou o Green Deal- Pacto Ecológico , em prioridade máxima da sua ação. Portugal  está totalmente alinhado com esta tendência, tendo-se afirmado nos últimos anos, como um país da linha da frente, em domínios como as energias renováveis, ou a economia para o baixo carbono. Fomos um dos primeiros países europeus, a apresentar um roteiro para a neutralidade carbónica. As medidas tecnológicas procuram obter mais eficiência energética, através de novas regras e design e uso de melhores materiais de construção, bem como recuperação do calor ou novas técnicas de incentivo. Por sua vez, as medidas operacionais, passam acima de tudo, pela redução do consumo. As medidas energéticas são aquelas que visam substituir o consumo de energias fósseis por alternativas como os biocombustíveis, o gás natural liquefeito, o hidrogénio, a energia eólica ou nuclear. Face a uma tendência inevitável, não resta aos operadores outra alternativa senão incorporar no seu comportamento empresarial, a narrativa da sustentabilidade, e, perceber tão rapidamente quanto possível, que isso é uma condição existencial do século XXI. O acesso ao financiamento é outro dos desafios das empresas para poderem crescer, internacionalizar e investir. A capacidade de aceder ao financiamento bancário para aquisição de ativos produtivos (bankability) e as limitações ao crescimento (scale-up), são restrições sérias que as empresas sobretudo, as PME,  sentem no seu dia a dia. No quadro europeu, a Comissão Europeia acordou com o BEI, um conjunto de princípios sobre o financiamento da economia azul sustentável, que começam poe reafirmar a ideia central de sustentabilidade e do papel das instituições financeiras, como promotoras dessa sustentabilidade, sublinhando num desses princípios, a necessidade de restaurar, proteger ou manter a diversidade, resiliência, valor intrínseco de saúde nos ecossistemas marinhos. Parece pois, que não há falta de instrumentos financeiros: há, sim, que tornar estes mecanismos mais conhecidos e fluidos, os processos menos burocráticos, no quadro de uma cultura empresarial mais arrojada, capaz de executar projetos tão poderosos como o próprio oceano. Um último desafio é a aposta na diversificação.  Diversificar, significa criar valor acrescentado nas atividades económicas internacionais. Num quadro de pressão demográfica, continuamos a necessitar de acesso às proteínas animais do peixe, seja através das pescas ou da aquacultura. Mas uma pesca sustentável, e, eficaz precisa de se modernizar. A nossa frota é ainda inadequada, face aos nossos parceiros europeus, e, carece de renovação e modernização. Sem isso, também não seremos capazes de nos lançar nos palcos internacionais, de forma mais visível, conquistando quotas de mercado no peixe e nas conservas em segmentos distintivos, oferendo serviços de ponta inovadores no setor bancário e segurador,  apostando na energia eólica offshore, onde estamos muito à frente de outros países europeus e dispondo de legislação primária que nos permita avançar para a neutralidade carbónica em 2050, estimulando cientistas investigadores e instituições nacionais a apostar na investigação e desenvolvimento na área do mar, onde marcamos também, a linha da frente da produção científica internacional..


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

APOCALIPSE CLIMÁTICO ?

 Há alguns anos era comum ouvir as pessoas negarem as alterações climáticas, menosprezarem a enormidade da ameaça, ou argumentarem que era demasiado cedo para nos preocuparmos. A Humanidade tem enormes recursos ao seu dispor e, aplicando-os sabiamente, pode ainda evitar o cataclismo ecológico. Se a Humanidade quisesse evitar as alterações climáticas catastróficas, qual o valor que teria de pagar? De acordo com a Agência Internacional de Energia, alcançar uma economia neutra em carbono, exigiria que gatássemos 2% do PIB global anual, além do que já fazemos, no nosso sistema energético. Numa sondagem recente, feita pela Reuters a economistas do clima, a maioria concordou que chegar ao crescimento zero, custaria apenas 2% a 3% do PIB global anual. O relatório do Painel Intergovernamental sobre mudanças climáticas de 2018, refere que, para limitar as alterações climáticas a 1,5% C, é necessário aumentar os investimentos anuais em energia limpa, para cerca de 3% do PIB global. Uma vez que a Humanidade já gasta cerca de 1% do PIB global anual em energia limpa, precisamos apenas de uma fatia extra de 25% do bolo. Existem outras fontes de emissões, como a utilização dos solos, a silvicultura e a agricultura. Muitas dessas emissões, podem ser diminuídas de forma barata através de mudanças comportamentais, como a redução do consumo de carne e laticínios, e, passar a depender mais de uma dieta à base de vegetais. O preço para evitar o apocalipse, está muito abaixo dos dois dígitos do PIB global anual. Não são certamente 50% do PIB global anual, nem 15%. Em vez disso, está algures abaixo dos 5%, talvez tão baixo, quanto investir mais 2%, em lugares certos. É importante fazer investimentos em novas tecnologias e infraestruturas, como baterias avançadas para armazenar energia solar e redes de energia atualizadas para a distribuir. Estes investimentos criarão numerosos postos de trabalho e oportunidades económicas, e, serão eventualmente economicamente rentáveis a longo prazo, em parte, através da redução das despesas de pessoas com cuidados de saúde, salvando milões de pessoas de doenças causadas pela poluição atmosférica. Podemos proteger as populações mais vulneráveis contra desastres climáticos, tornar-nos melhores para as gerações futuras, e, criar uma economia mais lucrativa. Aprendemos nos últimos anos a definir o nosso objetivo à volta de um número: 1,5ºC . Podemos determinar a maneira como o alcançamos com outro número: 2%. Temos de aumentar o investimento em tecnologias e infraestruturas verdes 2% acima dos níveis de 2020. Naturalmente, ao contrário do valor de 1,5º que é um limiar cientificamente robusto, o valor de 2% representa apenas uma estimativa aproximada. Prevenir as alterações climáticas catastróficas é um projeto totalmente viável, embora, obviamente custe muito dinheiro. Uma vez que o PIB global é de 2% atualmente, significa que para se salvar o ambiente, não precisamos de prejudicar completamente a economia, num abandonar as conquistas da civilização moderna. Precisamos apenas de redefinir as nossas prioridades. Assinar um cheque no valor de 2% do PIB anual global, não é o suficiente. Não resolverá tosos os nossos problemas ecológicos, como os oceanos repletos de plástico, ou a perda contínua de biodiversidade. E mesmo para evitar as alterações climáticas catastróficas, teremos de garantir que os fundos são investidos nos locais certos e que os novos investimentos não provocam os seus efeitos ecológicos e sociais negativos. Se para explorar os metais raros, que são necessários para a indústria de energias renováveis, destruirmos ecossistemas, então podemos perder tempo quanto ganhamos. Também teremos de mudar alguns dos nossos comportamentos, e, formas de pensar, desde o que comemos até à forma como viajamos. Durante a crise financeira de 2008- 2009, o governo americano gastou cerca de 3,5% do PIB para salvar as instituições financeiras consideradas demasiado grandes para falir. Talvez a Humanidade deva também encarar a floresta amazónica, como sendo grande para falir! Tendo em conta o preço atual da floresta tropical na Amazónia do Sul, e, o tamanho da floresta amazónia, comparar todos esses terrenos para proteger as florestas, a biodiversidade e as comunidades locais contra os interesses empresariais destrutivos, custou cerca de 1% do PIB global. Atualmente, nem a empresas, nem os governos estão dispostos a fazer o investimento adicional de 2%, necessário para evitar as alterações climáticas catastróficas. Então para onde vai o dinheiro? Em 2020, os governos gataram 2,45do PIB global.  De dois e dois anos, outros 2,4% são gastos em alimentos que vão para o lixo. A UE estima que o dinheiro escondido pelos mais ricos em paraísos fiscais corresponde a 10% do PIB mundial. Todos os anos mais de 1 bilião de dólares em lucros, são escondidos em offshores pelas empresas, o que corresponde a 1,65 do PIB global Pra evitarmos o apocalipse, provavelmente, precisaremos de impor alguns novos impostos. Mas porque não começar por cobrar os mais antigos? É  claro que é mais fácil falar de cobrança de impostos, de redução de orçamentos militares, de interrupção do desperdício alimentar e de redução de subsídios, do que fazer alguma coisa, especialmente quando somos confrontados com alguns dos lóbis mais poderosos do mundo. É preciso uma organização determinada sempre que alguém disser:  O apocalipse já chegou!

Algo de grave se está a passar com o planeta onde vivemos. Em Trás-os- Montes, Alentejo e Algarve, onde antes havia riachos ou apenas ouedes, como no Norte de África, antes havia paisagens e ainda verdes, agora há cinzas e árvores queimadas e sempre os monstruosos eucaliptos para alimentarem o próximo fogo, onde outrora havia rebanhos, caça aves e sinais de vida, agora há um deserto silencioso e assustador, e, onde antes havia muita gente, aldeias, casais e hortas, agora há ruínas e silêncio, e, de repente como num filme de ficção científica, ilhas de um verde imenso, onde se produz intensamente olival, amendoal, laranjal, abacate regado até à loucura com água que hoje faz falta nas ribeiras e nas barragens e que amanhã faltará nas torneiras. Este verão, Portugal e a Europa bateram recordes de temperaturas nunca antes atingidos, Todos os rios de referência na Europa- o Danúbio, o Ebro, o Tigre, o Loire e o Tamisa- e todas as grandes barragens esvaziaram-se, numa antevisão tenebrosa, daquilo que nos espera no futuro próximo. Num relatório apresentado há dias pela Organização Meteorológica Mundial, estima-se que num dos próximos cinco anos, viveremos o ano mais quente de que há memória, com as temperaturas a subirem, em média 1,5graus, exatamente aquilo que se queria evitar que acontecesse antes de 2050 e que mais de 150países se tinham comprometido em Paris a fazer tudo para o evitar. Hoje, porém, sabemos que tudo andou pra trás: o regresso em força às energias fósseis(incluindo as centrais de carvão) fez com que as emissões de dióxido de carbono, responsáveis pelo aquecimento global, tenham já regressado a valores anteriores à pandemia, e, sabemos que mesmo que todos conseguissem inverter o rumo e assegurar os compromissos estabelecidos para serem cumpridos até 2030, os danos já são irreversíveis. Em 2050 já não será possível evitar que a temperatura do planeta se tenha fixado em pelo menos mais 1,5graus do que hoje. E daí para a frente entramos naquilo que Guterres chamou "territórios de destruição", num processo absolutamente irresponsável: aquecimento dos oceanos, degelo da calote polar, dos icebergues e dos Himalaias ( com as inundações a que já estamos a assistir no Paquistão), secas extremas e prolongadas, começando pelos países subsarianos ( onde o número de pessoas atingidas pela fome extrema duplicou nos últimos três anos), rios e barragens vazios ou reduzidos a caudais mínimos, culturas e animais em extinção, incêndios cada vez maiores e mais incontroláveis e água cada vez mais escassa para abastecer os humanos. É importante perceber as teses otimista e conformista. a primeira pretende que in extremis a ciência encontrará maneira de evitar o desastre, como o fez tantas vezes antes, ou o próprio planeta se encarregará de se regenerar por si mesmo: segundo a tese conformista, o que estamos a viver é resultado da exaustão dos recursos naturais por exploração humana. E assim sendo vamos viver uma crise regeneradora: milhares de milhões de seres humanos irão morrer, para que os outros sobrevivam e, com a experiência adquirida e a ajuda da ciência, possam retomar a vida num planeta mais limpo e liberto da pressão sufocante de hoje. Um darwinismo planetário em que já se advinha quem são os milhares de milhões sacrificados. Décadas de passividade perante os avisos que o planeta foi dando, conduziram ao que de repente parece uma súbita aceleração dos indicadores do desastre, mas que ´+e apenas a resposta da doença por falta de tratamento. Assusta-me uma geração de líderes mundiais que prefere continuar irresponsavelmente a ocupar-se dos seus jogos de guerra, negócios de armas e de energia, enquanto o mundo que habitamos se desintegra à vista de todos, bem como  me admira a indiferença com que a geração jovem assiste a isto, comodamente instalada no seu mundo virtual e hedonista, sendo que sabemos que o presente e o futuro será construído por nós.