domingo, 20 de março de 2022

O AUMENTO DOS PREÇOS E O NÍVEL DE VIDA DOS PORTUGUESES

 A escalada dos preços conjugada com a escassez de matérias-primas provocada pela guerra, está a criar uma crise sem precedentes, pois não é apenas uma crise energética. O aumento dos preços dos combustíveis está a ser idêntico ao que foi há cerca de 10anos entre 2008 e 2014, mas é acompanhado por um aumento geral de outros bens, o que na altura não aconteceu. Este aumento de preços e escassez de bens, começaram devido à pandemia, que implicou grandes restrições à produção e ao transporte internacional. Isso causou uma quebra da oferta, sem que tenha havido uma quebra correspondente da procura, gerando uma pressão sobre os preços, que aumentam agora muito com a guerra. Não sabemos quando vai terminar a guerra, e, o receio de a escassez se prolongar, é ele próprio um fator que leva os preços a aumentar, porque há algum açambarcamento de produtos e matérias-primas. Neste momento há restrições, não apenas no fornecimento de hidrocarbonetos, mas de outras matérias-primas e bens alimentares. Há o risco de faltarem alguns produtos, em particular os cereais. Mas não só. A Ucrânia e a Rússia são importantes produtores de fertilizantes, e, a sua falta pode ter implicações na produção agrícola a nível mundial. A globalização tornou o mundo muito mais interdependente e comprometeu a soberania em todo o tipo de produtos. Tudo o que pode ser comprado maias barato, lá fora, deixou de ser produzido cá dentro. Isto aplica-se a Portugal e a qualquer país. Na Europa, isso foi particularmente relevante, porque ao longo dos anos foi-se importando cada vez mais alimentos. O facto de estarmos na UE, reduz de forma  dramática a possibilidade de proteger a produção nacional. Estamos sujeitos às regras europeias, e, não há muito a fazer, se as nossas produções não forem mais eficientes, do que as dos outros países. A UE tem acordos comerciais com países que produzem alimentos a preços baixíssimos, e temos de perceber que Portugal não controla a sua moeda, as relações comerciais, a taxa de câmbio ou a possibilidade de apoiar as exportações. Sem isso, não podemos esperar milagres. Ainda assim, há algumas coisas que se podem fazer, como incentivar ou desincentivar certo tipo de produção. Por exemplo , a terra que se dedica a eucaliptal, pode ser para produtos alimentares. Mas, numa economia de mercado, em última análise, o que decide os níveis de produção é se ela é ou não rentável. Esta crise, afeta de forma muito assimétrica, os mais desfavorecidos. Temos dois milhões de pobres, e muitas pessoas irão ter dificuldade em comprar bens essenciais. Não é uma questão de não existirem, mas de passarem a ter um preço inacessível. Se os preços todos aumentarem 10% e os salários e pensões não tiverem aumentos, as pessoas irão perder 10% do poder de compra, o que é muito para os mais pobres. Nesse sentido, são muito importantes medidas que apoiem a capacidade aquisitiva dos mais desfavorecidos. O Governo, anunciou recentemente num pacote de 400milhões de euros, para apoiar as famílias mais desfavorecidas no acesso a bens essenciais e um desconto de 10euros por botija de gás, para as pessoas com tarifa social de eletricidade. É difícil dizer, se isso vai ser suficiente, porque os preços começaram a subir agora, e não sabemos por quanto tempo irão continuar a subir.  Poderia haver uma lógica de vouchers para consumo de certos bens, mas mais simples, será haver subsídios ou baixa de impostos na redução do IVA, para bens de primeira necessidade. Hoje, o número de bens com taxa reduzida de IVA é relativamente restrito, e pode-se ponderar a redução para mais produtos. É importante perceber quem são os grupos mais afetados, para minimizarem os custos sociais. Quais as consequências desta crise a longo prazo? Em termos sociais, as crises quando são muito prolongadas, deixam lastros que não se reduzem do dia para a noite. Estamos a passar por uma sequência perturbadora de crises, porque logo a seguir à pandemia, temos o choque emocional da guerra, e se a isto se somar uma crise longa, haverá marcas na capacidade produtiva. Em Portugal, com a pandemia, a taxa de atividade não caiu de forma abrupta .Isto significa que apesar da pandemia ter custos sociais, eles não têm nada a ver com os custos de austeridade. Por isso, se a guerra terminasse brevemente, partíamos de uma taxa relativamente baixa de desemprego, e, de um nível de escalada de preços que ainda não colocou em emergência social, uma quantidade muito grande de pessoas. O risco é a guerra não acabar e se prolongar, poderá mesmo haver um recuo dos indicadores sociais. os juros do crédito à habitação, deverão começar a subir este ano, pelo que poderá ter consequências graves para as famílias que têm acesso ao crédito. Há uma parcela da população que poderá perder algumas centenas de euros, por mês, se houver uma subida significativa, que não se perspetiva, mas o impacto social seria menos grave do que a inflação, ou o aumento de preços dos bens essenciais. Mas, conjugados todos estes aumentos, deterioram o nível de vida e, causam riscos de tensões sociais. e políticas. Não há muitos exemplos na História de períodos como o petróleo acima de 75 dólares por barril, em que isso não tenha acontecido. Poderemos assistir a uma revolta social em Portugal, pois, se temos um aumento generalizado de preços, uma subida de taxas de juro e poucos mecanismos para acompanhar a evolução dos preços, com a evolução dos salários, então há uma perda real do rendimento. A distribuição dos sacrifícios não é homogénea, e, alguns grupos podem sentir-se injustiçados. é certo que é muito difícil, passar por um período de tantas dificuldades, sem que isso se traduza em agitação social. As taxas de crescimento económico têm vindo a reduzir-se de forma sistemática, ao longo de várias décadas em todos os países desenvolvidos. Isto significa, que a vida vai melhorando, mas a uma taxa mais lenta do que no passado. A economia portuguesa tem problemas estruturais profundos, que têm a ver com 100anos de atraso na qualificação de pessoas ena industrialização. Estamos muto assentes em atividades económicas de baixo valor acrescentado, com forças produtivas de crescimento da procura e, uma concorrência internacional muito grande. Além disso, temos um nível de endividamento dos maiores do mundo, pelo que, é difícil sair disto, pois não há nenhuma receita mágica. O cenário de guerra e a subida dos combustíveis, para alguns setores mais afetados (transportes, indústrias) poderão atingir situações complexas para a banca. Os bancos admitem que poderá haver um aumento de incumprimento, decorrente dos efeitos da guerra, em especial devido à subida da inflação e à redução dos rendimentos. Não será a níveis como já alcançados na crise da Troika, mas a guerra chegou numa altura em que as economias do euro, se tinham preparado para a normalização da política monetária. Até ao inicio da invasão russa na Ucrânia, as pressões inflacionistas, faziam supor uma alteração da política monetária, com o aumento dos juros, e que se esperava vir a ser seguida, no fim de 2022, com a subida das taxas de referência pelo BCE, além do fim da compra de ativos. Porém o agravamento dos preços, é devido não à política de estímulos, mas sim aos efeitos da guerra. Os grandes efeitos colocam-se na contração da produção, acompanhada por uma subida de preços e redução do poder de compra dos consumidores, pelo que irá implicar problemas não só na concessão do crédito, como poderão ser penalizados pelo aumento do incumprimento. A política monetária do BCE está numa situação muito difícil. A inflação está a subir, mas a subida dos juros para a combater, e o fim do programa de compra da dívida, anunciada, poderão criar situações perversas em vários países europeus, nomeadamente aqueles que estão mais endividados. Ou seja, se o BCE nada fizer, terá estagflação a nível de difícil gestão. Pandemia, crise energética e guerra, coloca muitas empresas no dilema de como suportar esta subida de preços. Aumentar preços significa que o poder de compra das famílias seja penalizado, sobretudo as que têm menores rendimentos. Segundo o Banco de Portugal, em termos macroeconómicos, traduzir subidas de preços, tidas como temporárias, em aumentos salariais permanentes, é a receita para a cristalização desses mesmos preços a um nível elevado. Por outro lado, uma eventual subida dos juros, com o respetivo aumento nos custos com o crédito à habitação, seria no atual contexto de aumento generalizado dos preços, um duplo golpe no orçamento, para muitas das famílias portuguesas. As taxas Euribor refletem antecipadamente as perspetivas de evolução da política monetária, e, é muito provável que o Banco Central Europeu, inicie a sua política de normalização dentro em breve, com a inflação a sobrepor-se aos sinais de desaceleração económica, provocada pela guerra da Ucrânia. Desde o início da pandemia, que o esforço da poupança dos portugueses aumentou para níveis historicamente elevados, Entre os motivos, para o aumento da poupança, nos últimos dois anos, esteve não só o maior esforço em colocar dinheiro de lado, como forma de precaução face à incerteza, mas também as restrições adotadas para impedir um descontrolo da pandemia, que levantam as opções de consumo. Atualmente, a súbita situação da guerra na Ucrânia, e, as inúmeras retaliações, que daí decorreram, tiveram efeitos económicos e sociais imediatos, como o aumento dos preços da energia, da inflação e das taxas de juro e,  de um dia para o outro, acentuou-se a perceção de que as opções políticas da Europa iriam mudar. A dependência energética é um sinal de alarme que requer a urgente prioridade, de maior autonomia, nesta matéria, se a Europa se quiser manter como um bloco político, com voz no mundo. Da atual situação internacional, resulta a convicção de que a Europa, terá de se fortalecer militarmente. Os países menos desenvolvidos da UE, em que Portugal se inclui, é que têm beneficiado em grande escala do apoio de fundos europeus Mas as dificuldades económicas e sociais, com que nos defrontamos, não terão forma de continuar a ser disfarçadas à custa de futuros apoios europeus, pois estes irão ser submetidos, nos próximos anos, a outras prioridades. Neste contexto, são muito  preocupantes as análises sobre a situação económica e social do país. Temos uma estrutura empresarial maioritariamente de microempresas, com uma produtividade muito baixa, que absorvem uma enorme parcela de emprego, e, portanto sem criação de margens que lhes permitam o pagamento de salários mais elevado. Representando este emprego 45% do total, isso provoca um efeito de contaminação no restante mercado, tornando a estrutura salarial, caracterizada por baixos salários, o que contribui para os mais baixos níveis de PIB, e, portanto para o empobrecimento do país. Portugal tem uma grande escassez de capital, pelo que impede sustentar autonomamente o seu desenvolvimento; tem uma autonomia estratégica altamente limitada por excesso de dívida; Tem pouca capacidade de investimento próprio. Por isso o Estado português tem de estar atento à execução orçamental; pôr a economia a crescer de forma sustentável; aumentar a incorporação de fontes renováveis na produção de eletricidade; eletrificação dos consumos, quer pela promoção de mobilidade elétrica, retirando das estradas com motores de combustão, quer pelo desincentivo ao gás de botija, promovendo outras soluções de aquecimento. Também uma maior capacidade solar  irá favorecer o desenvolvimento de projetos de hidrogénio verde, outro vetor de descarbonização, que poderá ser relevante para a indústria portuguesa, e ,para outros fatores de consumo energético. Com a pressão da inflação e os juros da dívida a subir, o Banco Central Europeu prepara-se para começar a apertar a política monetária. A estratégia do Governo, que ficou clara no Programa de Estabilidade 2022-2026, é acelerar ao máximo a diminuição da dívida. A redução da dívida depende do crescimento do PIB, e da taxa de juro e dos saldos primários( sem juros). Mas os efeitos demoram sempre mais a achegar do que os juros a subir.  Por isso, é preciso ir gerindo a dívida que existe.




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