segunda-feira, 25 de maio de 2020

QUE FUTURO TEM O FUTURO?

A manter tudo ma mesma- business as usual- o futuro não tem futuro. Trata -se de olhar para a realidade. Sabemos hoje que o mesmo sistema que produziu coisas tão importantes- como a evolução tecnológica e científica, o aumento da esperança de de vida e de bem-estar para tanta gente e reduzir o número de pessoas em pobreza extrema entrou num inadequado descontrolo coercivo, passando a criar mais problemas do que os consegue resolver. A crise ambiental global, associada ao acentuar das desigualdades sociais, ameaçam hoje a paz e a sobrevivência da Humanidade no planeta.
Se os acordos do GATT de 1994, que criaram a Organização Mundial do Comércio (OMC), tivessem integrado o respeito pelas condições ambientais e humanas, na regulação do comércio internacional, a concorrência teria sido mais leal e a globalização teria garantido alguma justiça e equilíbrio. É o que terá de acontecer agora.
Não será, pois, com mais do mesmo que o futuro poderá ter futuro. Mas mudar agora é principalmente mudar o quê? Comecemos pela descarbonização e pela energia. A queima de combustíveis fósseis, terá mesmo de declinar de forma súbita, na linha de que propõe o Pacto Ecológico Europeu.
As grandes crises de saúde pública, geradas pela poluição atmosférica, e que nos tornam mais vulneráveis, incluindo o Covid -19, ficaram agora evidentes e obrigarão a mudanças rápidas, mesmo nos países mais renitentes.
Milão e outras cidades europeias, já se estão a organizar nesse sentido, criando mais espaços verdes, livres de automóveis e desincentivando o trânsito motorizado. A Lisboa Capital Verde, começou a fazê-lo e seguramente irá fazê-lo muito mais.
Hoje  já é possível diversificar e aumentar as fontes de energia limpa, permitindo aos cidadãos viver de uma forma elaboradamente mais simples, sustentável e mais justa.
Se isso acontecer, assistiremos num futuro relativamente próximo, a mudanças visíveis a vários níveis das nossas vidas. Desde logo, nos sistemas de mobilidade com a sua eletrificação pública e privada, incluindo os pesados de mercadorias e navios, os que, ao contrário da aviação, se encontram já em processo de transição energética. Além disto, em áreas crescentes e, em número cada vez maior de habitantes ou comunidades residenciais, a gestão da energia limpa- integrando produção e consumo em redes inteligentes- vai tornar-se frequente, pois a lei já o permite e muitas autarquias o irão adotar . Portugal, sendo o país europeu com maior úmero de horas solares por ano, irá asim deixar de ser um dos países onde as populações menos usufruem de painéis solares térmicos e fotovoltaicos, como agora acontece.
E nem é preciso inventar nada. Basta agir politicamente a tempo e horas no momento certo: criar incentivos fiscais, não para os fósseis, mas para os renováveis e a sua expansão descentralizada a toda a sociedade; combater seriamente a pobreza energética, preparando as habitações para resistirem às condições extremas, a que todos vamos estar sujeitos com o aumento da frequência e intensidade das ondas de calor e frio.
Eficiência energética para todos, significará poupança certa da fatura energética das famílias e do país e melhor saúde pública.
Será uma oportunidade para multiplicar empregos e avançar com a requalificação a sério, e, não apenas do parque habitacional, cujo isolamento térmico será fundamental para resistir a novas crises pandémicas e climáticas.
O documento europeu Fundo da Transição Justa que determina os futuros investimentos, no quadro da União Europeia terá de ser aplicado nesta grande tarefa.
Mesmo que consigamos" baixar a curva " das emissões, teremos sem dúvida de nos adaptar a muitas coisas, pois as alterações climáticas, já nos estão a trazer novas crises. O país tem pontos críticos de alta vulnerabilidade.
No litoral, será preciso inverter totalmente a forma da sua ocupação, suspendendo as absurdas pretensões urbanísticas para as zonas costeiras que ainda hoje se assinalam, por vezes em dunas primárias como em Matosinhos ou em Troía, isto é: são apenas dois exemplos. Mas também poderíamos falar no Algarve, ou até na frente Tejo em Lisboa e Oeiras, agravando o risco ambiental de desfigurando as cidades. 
Há também uma extrema vulnerabilidade aos incêndios florestais que, para não se tornarem devastadores obrigarão a a políticas de ordenamento florestal e territorial drásticas.
Teremos finalmente de completar o quadro, instalar vastos dispositivos de deteção e combate precoce, e, mobilizar civicamente o país articulando as Forças Armadas, com outras estruturas(bombeiros, polícias e criando até algo, como um novo serviço cívico educativo.
A terceira grande vulnerabilidade são as secas e avanço da desertificação a sul e interior, a que se associa o problema da redução dos caudais dos rios internacionais e a sua falta de monotorização.
A revisão da Convenção de Albufeira será inevitável, tal como a elaboração dos planos de seca, e a contenção dos perímetros de rega e usos desadequados de água no Alqueva, no Mira e noutros. No curto prazo, serão criadas várias fábricas de água para a sua reutilização, tanto em cidades, como em zonas agrícolas.
A agricultura terá um papel muito destacado no nosso futuro sustentável, multiplicando os sistemas de proteção, integrada e biológica em cadeias curtas entre produção e consumo- "do prato ao prado" como
propõe do Pacto Ecolóogico.
Todas estas grandes mudanças originarão também uma mudança na valorização do território e das paisagens.
As áreas protegidas e os ecossistemas nacionais, são o nosso garante de coisas vitais - da saúde pública à biodiversidade, aos recursos vitais, como a água, solo e ar.
O futuro do terreno não irá assentar na insustentabilidade, e Portugal terá ótimos recursos para turismos muito diferentes, como por exemplo , de saúde, termal, ecológico, bem -estar, reabilitação, estimulando a investigação científica.
Tudo isto, trará não só novos e sobretudo melhores empregos. Grandes mudanças irão, pois atravessar os nossos hábitos, e, tal como sabemos experiências anteriores, num instante se tornam no novo normal
Foi assim que nos habituamos aos telemóveis, à inovação led,  abandonar os sacos de plástico, ao teletrabalho...
A economia circular irá alterar positivamente a nossa ideia arcaica de "lixo" - se estes fossem todos utilizados, só a UE, pouparia 355 dos recursos naturais que usa. Acima de tudo, os plásticos não só se limitarão ao indispensável, como darão origem a sofisticadas indústrias de grande input tecnológico e científico para a sua transformação.
Em todos estes futuros desejáveis e possíveis, cinco coisas estarão transversalmente presentes.
Uma é o papel da ciência e do conhecimento, aplicado e fundamental) que terá de ser muito reforçado e independente, como se viu nesta pandemia.
Outra é o papel dos jovens que já mostraram o seu potencial dinâmico e manterão a sua voz, bem audível e ação visível- veja -se as centenas de jovens que já estão mobilizados para ajudar a continuar a "Grande Muralha Verde" de África, plantando um milhão de árvores, para impedir que o deserto  do Sara avance. Um terceiro aspeto será o empenho coletivo no combate às alterações climáticas e à ruína da biodiversidade, pois como também se vive com a pandemia, prevenir é melhor do que enfrentar com consequências. que pode ser destruidoras. Um quatro aspeto, é o da equidade e da justiça, combate às desigualdades e à pobreza Por fim, o futuro não poderá escapar a uma decisão inevitável; acabar com a batota criminosa dos offshores, que inviabiliza qualquer projeto de sustentabilidade e civilização.
Portugal é o 3º país da UE, com mais dinheiro em offshores, seja de formas privadas, seja de empresas.
Nenhum país sobrevive a ser roubado por dentro.
De resto, no futuro, a Europa que alguns quiseram ver destruída, irá conseguir "pôr o homem na lua "com o Pacto Ecológico e Fundo de Transição Justa, e a harmonização da política fiscal entre os países, para acabar com a concorrência desleal e com os vistos gold. Na Europa e no mundo, um novo Estado social, será reconhecido, não como um abuso sobre a iniciativa privada, mas como uma expressão de civilização.
Os Governos, autarquias, ONG e empresas, irão movimentar-se para se conseguir atingir as metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, lançados pela ONU,até 2030. Iremos viajar menos, teltrabalhar mais, criar novas rotinas de mobilidade, de produção e de consumo. A Europa encontrará um novo Green Deal, um fator de unidade e prosperidade não só para o estado Atlântico, mas também para o Sul Global. O futuro do futuro é com todos, se excluir ninguém.



terça-feira, 19 de maio de 2020

A ERA DA DESGLOBALIZAÇÃO

A Comissão Europeia prepara-se para uma redefinição do conceito de globalização. E, para muitas empresas ficou evidente de que depender da produção de um bem na outra parte do mundo, para manter a atividade é um sistema que pode ter falhas. "Esta crise, veio de facto, expor a excessiva dependência que temos de outras geografias e do fornecimento de bens, até de alguns serviços, que foram deslocalizados nos últimos anos para outras zonas geográficas, nomeadamente para a Ásia.
O Presidente da Confederação Empresarial de Portugal, defende que "a União Europeia deve implementar uma reindustrialização estratégica, dando a cada Estado - membro, de acordo com as suas especialidades e desenvolvimento, as suas competências naturais, produções próprias, de forma a trocar importações por fabrico interno". Nas últimas décadas, o processo de globalização  levou à desindustrialização de muitos países europeus e mesmo dos EUA. Criaram -se cadeias de valor , em que o Sol não se põe, e, muito complexas.
A China e outros países asiáticos tornaram-se numa espécie de loja do mundo. Numa situação de crise, em que fiquem paralisadas algumas regiões asiáticas ou os transportes de mercadorias, basta faltar essa peça na engrenagem para muitas empresas pararem.
Aliás, ainda antes de a pandemia chegar à Europa, já não havia uma preocupação, em relação ao impacto que o confinamento na China iria criar no comércio e na economia internacional. "Se determinado componente é produzido num país e se esse estiver numa crise, toda a cadeia para e isso levará as empresas a regressarem a cadeias de valor regionais"
Além da questão das cadeias de valor, a Europa e também os EUA, tornaram-se dependentes da China, para conseguirem ter acesso a bens essenciais.
O exemplo mais extremo é a corrida que existe entre os países ocidentais para convencerem fornecedores chineses a venderem -lhes material e equipamentos médicos essenciais no combate à pandemia. Agora, a regra para grande parte dos países ocidentais poderá passar a  trazer mais atividade industrial para dentro de portas, "especialmente em áreas críticas e essenciais, como as farmacêuticas, defesa, infraestruturas de saúde e tecnologia"sublinha Robin Parbrook, gestor da Schroderes, numa nota aos investidores.
Bruxelas tem dado sinais fortes de que irá seguir esse caminho. Depois de a China ter ganho influência em empresas estratégicas como a EDP e a REN por exemplo, desta vez a Comissão Europeia quer impedir que o Estado Chinês faça o mesmo. Margrethe Vestager, vice -presidente da Comissão Europeia e que tem o pelouro da concorrência, deu luz verde aos governos europeus para entrarem no capital das empresas, de forma a impedirem compras a preços de saldo, por parte de entidades relacionadas com Pequim.
Apesar do caminho da desglobalização e da reindustrialização, se ter tornado mais evidente, por causa da pandemia, esse processo já tem vindo a ganhar forma mesmo antes da Covid . "Esta ideia não é nova, nem é apenas consequência desta crise. Recorde -se que uma das primeiras linhas políticas desta nova Comissão Europeia, foi precisamente  iniciar um processo de reindustrialização da Europa, assente nas valências de cada Estado -membro, com grande enfoque na inovação, na digitalização, e, sem esquecer as novas exigências que se colocam em termos de economia verde e da reutilização de recursos.
A pandemia pode agora fazer acelerar esse processo. Patrick Artus acredita que isso resulta numa maior reindustrialização em países como os EUA, o Reino Unido, a França e a Espanha. A consequência é que as economias mais exportadoras e que servem como as lojas do mundo, como a chinesa ou a alemã, tenham de se desindustrializar. No entanto, essa evolução não acontecerá de um dia para o ouro, e as cadeias globais não serão cortadas pela raiz. Obviamente não deixaremos de ter cadeias globais de abastecimento, nem tão pouco faço a apologia da implementação de medidas de cariz protecionista. Mas é essencial, diminuirmos a excessiva dependência que temos de algumas geografias, não só produzindo internamente , como diversificando as cadeias de abastecimento. O caminho é para uma globalização cada vez mais moderada. Para a economia Ptrick Artus antevê que isso possa trazer mais inflação, já que os produtos ficarão mais caros, por não serem fabricados em países com mão-de -obra barata. Outra das possíveis consequências, será um reequilíbrio das balanças comerciais e de pagamentos. A curto e médio prazos, vamos ficar com a ideia de que" tudo pode mudar". É difícil que essa incerteza acrescida não tenha condicionado comportamentos. Perante uma economia virada de cabeça para baixo, em poucas semanas, será que a"geração Covid" irá valorizar mais a segurança, nas suas várias dimensões do trabalho aos apoios sociais? A geração" Z" será capaz de dizer. Por cá, ao assistirem ao perigo do colapso do SNS, os jovens da geração "Z" exigirão o seu reforço?
Ao verem os pais sem rendimentos, ou eles próprios sem trabalho, como olharão para os vínculos precários - Portugal tem um dos níveis mais altos da Europa- e para as condições de trabalho na gig economy? Novos apoios sociais abrangentes, aumentarão a pressão por problemas mais generosos?
Nos EUA, onde temos mais dados e inquéritos, sabemos  que a geração "Z", nascida a partir dos meados dos anos 90, a dizer mais progressista do que a anterior, os millenials que, por sua vez, já tinham uma visão menos conservadora do que os pais e os avós. Setenta por cento dos "Z" norte -americanos acham que o governo deve fazer mais para solucionar os problemas dos país, em vez de deixar a sua resolução para empresas e indivíduos. Essa percentagem é de 49% entre os baby boomers nascidos no pós II Guerra Mundial. Esta atitude dos mais novos não surpreende, Serão eles, provavelmente, os mais prejudicados por esta crise, e, seja pela informalidade do vínculo, ou pela carreira curta, muitos deles, não  têm acesso a subsídio de desemprego. Num estudo sobre o Reino Unido, concluía -se que o grupo com maior perda de rendimentos durante a pandemia, corresponde a esta descrição: homens jovens a trabalhar numa pequena empresa. Tal como nos ensinou a crise anterior, gerações que passam por um grande choque económico, ficam com cicatrizes que podem nunca desaparecer. A cicatriz do medo e da falta de confiança no futuro, irá prejudicar a saúde psicológica das pessoas, especificamente nas famílias que têm menos recursos, e terá consequências drásticas para uma geração de crianças educadas em casa.