domingo, 2 de maio de 2021

QUE SOLUÇÕES PARA A CRISE?

 São necessárias políticas económicas inovadoras. Esta crise caiu numa economia, em que as relações de muitas pessoas com o trabalho estavam desligadas. Há muitas pessoas com vínculos precários, contratos a prazo, recibos verdes, e, até com uma parte ou a totalidade dos salários pagos informalmente, ou seja, sem qualquer registo de recebimento. É, de referir, que é nos setores de alojamento e da restauração, que mais se encontra este tipo de trabalho.  A economia que surgir da crise pandémica, dificilmente, será a mesma. A dimensão da crise, e, a sua natureza, levará a atividade económica, por caminhos diferentes. É improvável, por exemplo, que o turismo internacional , volte ao que era num futuro próximo. As viagens de trabalho, com o surgimento do teletrabalho, e, a aprendizagem em massa das reuniões à distância, também não vão regressar ao que eram antes da crise pandémica. É necessário encontrar formas não traumáticas, de permitir que a economia se regenere, pelo que passa pelo desaparecimento de algumas empresas. Mas também é desejável que as empresas que são viáveis e podem sobreviver, permaneçam. As políticas de apoios sociais de que dispomos, estão assentes numa série de barreiras, como a necessidade de deslocação aos serviços da Segurança Social, ou ao Instituto de Emprego e Formação Profissional, e, o preenchimento de formulários. Esta burocracia, serve pra perceber, se o rendimento e a riqueza das pessoas, são suficientemente baixos, com o objetivo de afastar dos apoios , quem deles não necessite. No momento de crise em que vivemos, devemos preocupar-nos muito mais, com a probabilidade da ajuda não chegar a quem precisa, do que a de ela chegar a quem não precisa. Não podemos dizer, que não houve inovações nos apoios sociais. O rendimento social de inserção, foi renovado automaticamente, evitando aos beneficiários, uma carga de trabalho burocrático, pouco razoável num período destes.. A edição do Fiscal Monitor do FMI,  de 2020, tinha estimativas de resposta dos países à crise ,divididas entre " acima da linha" "abaixo da linha" e "passivos contingentes." As medidas acima da linha, são aumentos de despesa ou reduções de receita, ou seja, dinheiro que é gasto na economia, ou que não chega a ser retirado. Há uma parte de despesas adiantadas e de receitas atrasadas, o que não é bem ajuda adicional por causa da crise. As medidas abaixo das linhas são injeções de capital em empresas, compras de ativos e dívidas assumidas pelo Estado. A linha que as distingue é que as medidas de cima são fluxos de dinheiro, enquanto as mediadas de baixo têm impacto nos ativos e passivos do setor público. Os passivos contingentes, são garantias dadas pelo Estado, que não custam dinheiro imediatamente, mas podem vir a custar se, por exemplo uma empresa com um crédito garantido, entra em incumprimento. Como aparece Portugal nesta fotografia? Até setembro de 2020, gastara 0,8% do PIB, cerca de 1,5 mil milhões, em saúde. Gastou mais 2,4 do PIB em apoios diretos às empresas e famílias e, em medidas como o layoff simplificado ou as ajudas a independentes, 4,5 mil milhões de euros. A despesa pública adiantada e receita pública adiada, foi de 4,15 do PIB.  Aqui estão, por exemplo, os pagamentos à Segurança Social dos independentes, ou os pagamentos por conta de IRC, que foram adiados. Em passivos contingentes, como as moratórias dos créditos para famílias e empresas, está o grosso da intervenção: 6,75do PIB .Os passivos contingentes, são  as linhas de crédito às empresas, quer as mais genericamente dedicadas às pequenas e médias empresas, quer as que se focaram nos setores mais afetados pela crise, como o turismo e a restauração. A agência de rating de dívida , avisou que os bancos portugueses, de um universo de 45 bancos europeus analisados, eram os que tinham maior proporção de créditos em moratórias, garantidas pelo Estado. Com a dimensão da crise e a força das sucessivas vagas, irá haver muitas empresas e pessoas com dificuldades para pagar obrigações fiscais e créditos adiados. Portanto, uma parte das moratórias, adia o reconhecimento de um problema, e, quase sempre, quanto mais durar a moratória, maior é a probabilidade de a empresa ou família, não recuperar a sua saúde financeira. Um dos receios das moratórias generalizadas, é a possibilidade de sobrevir um momento crítico, em que os bancos têm de reconhecer uma enorme quantidade de créditos incobráveis.  Isto, contrasta com uma situação normal, em que os bancos estabelecem pedidos de moratória, caso a caso, no quadro das suas relações normais com os clientes, tendo em conta o risco individual, pelo que pode originar crédito malparado. O problema do crédito malparado, é que existe um momento, em que o banco tem de o reconhecer como incobrável.  Se for um crédito a uma empresa, ou fica sem nada, ou a empresa entra em falência, e o banco recupera, com alguma sorte, uma parte do dinheiro que empresta, provavelmente, sob a forma de edifícios, máquinas, carros ou terrenos. Quase sempre, o banco vai desfazer-se destes ativos, a preços de saldo. Por vezes, os bancos "vendem" os próprios créditos, ou seja, transferem-nos para outra instituição financeira, especializada em créditos particularmente arriscados: quando há créditos incobráveis, o banco perde valor. Alguns bancos irão ter mais dificuldades em encaixar estas perdas, porque têm uma situação financeira frágil, e é por aí, que muitas vezes entra o dinheiro dos contribuintes. A crise pandémica virou a nossa vida do avesso. Muitas pessoas perderam todo ou parte do seu rendimento. No dia 20 de Março, a Comissão decidiu suspender a disciplina orçamental, para permitir aos países, défices orçamentais que não respeitem as regras de Maastricht. No entanto, a disciplina orçamental, não altera a taxa de juro da dívida, que é uma das principais preocupações, para países como Portugal. A Comissão também criou o Fundo Europeu de Solidariedade, que pode ajudar com montantes modestos, entre 2,5% e 6%, das despesas dos países mais afetados pela crise. Havia mais programas, aqui, e ali, desde os 37 mil milhões para ajudar no investimento em sistemas de saúde, a linhas de crédito do Banco Europeu de Investimento. O BCE reagiu com um pacote de compra de dívida de 750 mil milhões de euros, antecipando para o início da crise o famoso "whatever it takes" de Mario Draghi. Os apelos de vários economistas europeus, para o financiamento direto da dívida, com impressão de moeda, isto é, sem que esse financiamento envolva um aumento da dívida, não deram em nada. Depois da hesitações iniciais, a União Europeia, foi avançando, no apoio à despesas dos estados para as políticas de proteção dos rendimentos do trabalho, na dívida comum e na dimensão do orçamento. O pacote de recuperação da crise deverá aproximar -se de 1,5 biliões de euros. O  pacote- se- e quando chegar- deverá  vir envolvido, no chamado orçamento europeu, cujo verdadeiro nome é "Quadro Financeiro Plurianual", que tem uma duração de sete anos. A vantagem deste "Quadro" é que é um instrumento que pode ser financiado com dívida emitida pela Comissão Europeia, previsto nos Tratados. Falando de eurobonds, nome encontrado para a emissão da dívida europeia, o pacote de recuperação da crise, chamado de Next Gneration European Union, inclui a possibilidade de a Comissão Europeia se endividar até um máximo de 750mil milhões de euros, mas não pode haver emissão de nova dívida, para lá de 2026, e, os fundos assim obtidos, só podem ser usados, no combate às consequências da crise pandémica. A dívida europeia, será paga no futuro, com base no orçamento europeu, que depende das contribuições de cada país, individualmente. O facto de repensar em impostos acionais, quer dizer duas coisas: A primeira: é que o risco a dívida continua ligado aos riscos dos países. Este risco, posto de forma muito simples, é  como quem compra títulos da dívida. Quem compra dívida, ela será paga, em função da capacidade, de os países individualmente, cobrarem impostos. A segunda razão: é que não irá haver justiça fiscal, sem coordenação internacional, porque as pessoas mais ricas, têm mais facilidade, em utilizar as diferentes leis fiscais a seu favor Houve um fracasso social e psicológico, das mortes e, do sofrimento, que a pandemia nos trouxe, mas, nem tudo foi mau em 2020. Foi o ano em que a humanidade provou a sua capacidade extraordinária de inventar o futuro - da transição digital, que muitos de nós fizemos de um dia pra o outro, à vacina, criada e distribuída em menos de um ano. Portanto, o potencial existe. O que falta, são as instituições políticas, que distribuam os ganhos, da extraordinária criatividade humana, de forma mia inclusiva. É fundamental, apostar numa  "Sociedade Ética", que enfrente os nós górdios, que nos impedem coletivamente, enquanto sociedade, de aproveitar o nosso potencial: a secundarização da ciência, a crise ambiental, a pobreza e a corrupção. A aposta na ciência, e, na transformação digital, são fundamentais para o desenvolvimento. Sem ciência, não havia vacina, e, sem vacina ao havia luz ao fundo do túnel negro em que estamos. Sem investimento em ciência, não teríamos uma economia capaz de inovar, de criar empregos de qualidade, e, bem remunerados. Uma economia próspera e inclusiva, passa, necessariamente por aqui. A outra dimensão fundamental é a da sustentabilidade: é importante que Portugal, atinja a neutralidade carbónica e desenvolva políticas para aliviar os efeitos das alterações climáticas. O desafio é relevante, porque requer uma alteração fundamental, nos comportamentos.. É preciso apostar na economia circular, como fonte de matérias-primas, investir nos transportes públicos, promover o teletrabalho, garantindo que as condições laborais, de privacidade e de equilíbrio com a vida pessoal, estão asseguradas. É necessário renovar o nosso parque habitacional, para que tenha propriedades térmicas, que evitem o consumo de energia, de climatização, pelo que abrandaria certamente o dramático problema da pobreza energética em Portugal. Dar rendimento às pessoas não resolve tudo, mas é um passo importante. As pessoas que vivem na pobreza, gastam demasiado tempo a pensar como vão pagar as contas do fim do mês, e colocar na mesa o jantar do dia seguinte. Não podem, nem conseguem, pensar no futuro. é essencial, o alívio à situação de emergência social, em que nos encontramos, pois, um Estado social menos condicional, facilitará a transição de pessoas entre empregos. Qualquer estratégia de erradicação da pobreza, tem de incluir uma política de origem, que assente em vales para bens essenciais, junto com transferências monetárias, generosas e abrangentes, de creches e jardins de infância de qualidade, e, gratuitos, e, visitas domiciliárias, por equipas sociais multidisciplinares. Por outro lado, a corrupção prejudica o crescimento económico, dificulta a redistribuição, a favor dos mais pobres, aumenta a desigualdade, facilita a vida ao crime organizado, e, contribui para a falta de confiança nas instituições. Um Portugal menos corrupto, será também, mais coeso, menos desigual, mais próspero e mais democrático. Em suma, é necessário, que consigamos tomar decisões coletivas, a pensar no futuro, pois pensar a um década, ou, a uma geração tem estado afastado das nossas possibilidades, enquanto sociedade. Mas, é por aí, que temos de começar. Nas últimas décadas- no auge da globalização- um grande número de países que haviam enfrentado dificuldades, e que com frequência se encontravam isolados, atingidos pela pobreza, com uma grande parte da sua população necessitada de um emprego remunerado e decente- ofereciam algo que as empresas do mundo desenvolvido, não conseguem resistir. Neste contexto, o Japão, a Coreia, a China e outros países, conhecidos como Tigres Asiáticos, ofereciam mão de obra barata, com pouca regulamentação laboral ou regras ambientais em troca de se tornarem  no "back office" do mundo. A classe média das nações emergentes expandiu-se em centenas de milhões de pessoas à medida que o crescimento do PIB subia em flecha. Os lucros dispararam e os mercados de exportação expandiram-se  nas economias dominantes, onde os consumidores desfrutavam de bens a baixo custo e, os trabalhadores altamente qualificados, tinham o privilégio de escolher o emprego que mais lhes agradasse. Contudo, o modelo da globalização já não funciona como uma base fiável, para guiar o desenvolvimento económico, dos países que já se encontram em ascensão económica, ou que  estão a tentar iniciar o seu caminho nesse sentido. No centro desta mudança, os serviços a consumirem os produtos da China Japão e Coreia. estarem a alterar lentamente a sua abordagem, encorajando as empresas a voltarem à fabricação  de serviços, por forma a estruturar as economias nacionais. Em simultâneo, as multinacionais começaram a distanciar-se das complicadas relações internacionais que se estendiam profundamente até aos países de baixos salários, pois o surto generalizado de governos populistas acrescentou camadas de risco e dificuldade na criação de cadeias de abastecimento globais. A competição já não se centraliza na aquisição de mão de obra barata disponibilizada por outros países, mas, cada vez mais, na implementação de robôs aina menos dispendiosos, mais inteligentes e mais capazes, bem como de ferramentas e programas de inteligência artificial. O abrandamento da globalização deixou um vácuo para o surgimento de um novo modelo de desenvolvimento económico. A melhor opção para preencher este vazio é a estratégia "local first" como uma melhoria, face ao quadro predominante internacionalista a que nos habituámos, seja a constatação de que, mesmo quando a globalização parecia beneficiar toda a gente, não o fez. É certo que a classe média cresceu globalmente, a par dos lucros empresariais, os benefícios de eficiência operacional foram reais, os preços da maioria dos bens fabricados, foram mantidos sob controlo, e, um maior número de pessoas tomou parte na resolução da tecnologia pessoal e das comunicações. porém, estas melhorias essencialmente registadas pelo crescimento do PIB, limitaram-se a ocultar os efeitos negativos da globalização. Em termos gerais, os números do PIB, comprovavam a prosperidade global, em média, enquanto grandes parcelas da população ativa, estavam a viver de estagnação e diminuição de rendimentos. Os resultados do PIB, também se sobrepuseram a fatores intangíveis, tais como a degradação ambiental, a falta de benefícios e a insegurança associada a muitos postos de trabalho, bem como a diminuição de alguma qualidade de vida em algumas comunidades .É urgente estabelecer programas "local first" para o desenvolvimento económico; ou seja  dedicar mais atenção à criação de comunidades  prósperas, pois as necessidades humanas são melhor identificadas e geridas a nível local.. Cidades, vilas e aldeias são os locais onde o progresso social e o sucesso económico mais naturalmente se encontram. Precisamos de criar soluções locais para problemas locais e, por sua vez, desenvolver economias mais dinâmicas. Por outro lado, é urgente tomar decisões sobre a forma como a tecnologia é implementada e utilizada nos dias de hoje. Precisamos de estabelecer disciplinas, práticas e políticas, para ajudar as pessoas a tomar decisões de forma inteligente, e, teremos de nos proteger contra a retaliação on line. Há alguns passos essenciais que podem ser dados imediatamente, no sentido de controlar a tecnologia: a requalificação profissional para um mundo digital; proteção de dados contra utilização indevida; reforço da contribuição da sociedade civil na busca de soluções para questões de privacidade. A requalificação tem em vista alcançar quatro objetivos: assegurar que as pessoas sejam o menos vulneráveis ao futuro possível, minimizando a interrupção do emprego, particularmente entre as populações em envelhecimento, à medida que os postos de trabalho  passam a exigir competências digitais avançada; permitir que todos se envolvam de forma ponderada e inteligente, na descoberta de formas de humanizar a tecnologia; a busca de soluções para os excessos de tecnologia e ainda reduzir as lacunas de conhecimento, sociais e económicas entre os que possuem recursos, e, os que não possuem. Todos precisamos de ser bons alunos de tecnologia, do seu impacto na sociedade, e, em nós próprios. Precisamos de ser aquilo a que eu chamo humanistas tecnologicamente competentes, ou seja, temos de compreender tanto o que as pessoas exigem da tecnologia, para melhorar as nossas vidas, como todo o seu potencial para alterar o mundo à nossa volta, de formas mais ou menos relevantes.