A chamada "austeridade", para supostamente enfrentar a crise das dívidas soberanas, arrasta consigo, uma ataque sem precedentes aos direitos sociais fundamentais, inscritos na matriz de um modelo social, conquistado pela luta de gerações que, no caso português, constitui um traço identitário essencial da Revolução de Abril de 1974; momento fundador do Estado Social de Direito, consagrado na Constituição. A pretexto da crise todos os Estados Sociais são atingidos. Os tempos que correm são marcados por cortes de salários e de prestações sociais, pelo confisco do subsídio de férias e do 13ºmês aos funcionários públicos, por aumentos da jornada de trabalho sem aumento de salário, pela privação de dias de descanso, por ameaças de cortes salariais a todos os trabalhadores, sempre em nome de uma suposta competitividade da economia. O direito à segurança social universal é posto em causa; degradam-se reformas e pensões; reduz-se o alcance social de prestações sociais, como o desemprego, o rendimento social de inserção ou o abono de família. As funções sociais do Estado são frontalmente atacadas. O Estado reconfigura -se, em obediência ao dogma neoliberal do Estado mínimo, com a privatização dos serviços públicos essencias, com o encerramento das escolas públicas, unidades de saúde, tribunais, estações de correio, balcões de segurança social, transportes públicos e mesmo autarquias locais. Enquanto os lucros do capital financeiro são salvaguardados com o aumento da exploração dos trabalhadores e com todo o tipo de favorecimento por parte do poder político(isenções e benefícios fiscais, operações de recapitalização dos bancos à custa dos contribuintes), assistindo a maioria da população à degradação constante das suas condições de vida: não só aumenta o desmprego e baixam os salários, como os custos com a saúde e a educação aumentam significativamente, assim como, aumentam os impostos sobre o consumo de bens de primeira necessidade e, sobre os rendimentos do trabalho; aumentam os transportes, aumentam os combustíveis, a electricidade, a água e a generalidade dos bens de consumo. Também não é por acaso que o ataque à Constituição tem sido um eixo central da ofensiva neoliberal. Apesar da Constituição Portuguesa se encontrar plenamente em vigor, são adoptadas medidas que a contrariam frontalmente, nos planos económico, social e cultural e que para além disso, contrariam princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático. Em face da crise, os direitos fundamentais consagrados na Constituição tornam -se letra morta, por acção do governo e da maioria parlamentar que o apoia. Se a Constituição não é respeitada, a Lei Fundamental do país passa a ser a arbitrariedade, e, então é o próprio Estado de Direito Democrático que é posto em causa. Consagrando a Constituição um amplo conjunto de direitos de natureza económica, social e cultural e, sendo a tutela dos direitos fundamentais garantida pela aplicação directa das disposições constitucionais, a Lei Fundamental Portuguesa, tem sido encarada pelo poder económico e pelo poder político ao seu serviço como um obstáculo jurídico à imposição de políticas neoliberais destrutivas dos direitos fundamentais. É a regra de ouro do desastre económico e social em que alguns países da União Europeia, estão a ser mergulhados. A austeridade deixará de ser uma opção dos govenos para passar a ser uma imposição constitucional. A Constituição passará a funcionar como uma "troika" permanente. As duas últimas cimeiras reconheceram, finalmente, que a austeridade é necessaria, mas não é suficiente. O sucesso da austeridade está inteiramente dependente das políticas de reforço da competitivdade que promovam o crescimento económico. São as reformas estruturais que dão sentido à austeridade e aos sacrifícios aparentemente absurdos e contraproducentes da recessão e do desemprego. Em vez de se investir na qualificação dos trabalhadores, mantendo o compromisso com as políticas de coesão e convergência que até agora caracterizavam o projecto europeu, pretende -se que os países ganhem competitividade, tornando -se mais flexíveis e baratos. Esta receita, para além de injusta, porque condena a periferia ao empobrecimento, é incompatível com a manutenção da actual união monetária. Se todos os países tiverem como objectivo, recuperar a competitividade através da queda dos salários, o resultado é a retracção da procura e uma espiral recessiva sem fim à vista. A solução para a crise não passará por "Mais Europa", quando é sabido que o projecto europeu tem sido constituído à medida das conveniências do grande capital e das grandes potências europeias impostas aos povos. A União Europeia nunca foi um projecto de solidariedade entre os povos. Foi um processo determinado pelos mais poderosos interesses económicos da Europa, que acentuou a dependência das economias mais débeis. Lutar por uma outra Europa, uma Europa que não esteja ao serviço dos grandes interesses e que seja determinada pelos intereeses dos cidadãos e dos povos não significa "Mais Europa. A luta por uma Europa mais justa e solidária tem de passar necessariamente pela exigência de respeito pela soberania e pela dignidade de todos e de cada um dos povos europeus.
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