Pela primeira vez, em quase um ano, a inflação em Portugal interrompeu a tendência de aceleração com os produtos energéticos a darem uma pequena trégua, a variação homóloga do Índice de Preços (IPC) abrandou ligeiramente em agosto para 9%, o que se compara com 9,1% em julho. Mas os dados do INE servem de pouco consolo às famílias. A inflação está em níveis que não eram vistos no país há quase três décadas, e, apesar da enorme incerteza, ainda não atingimos o pico. Além disso, os preços dos produtos alimentares continuam a acelerar. Com os salários a não acompanharem a inflação, perdendo poder de compra, e, os bens essenciais entre os preços que mais sobem, as famílias de menores rendimentos, são as mais penalizadas. Mas a classe média também sofre. A inflação tem efeitos pesados sobre as famílias, que se repercutem de forma desigual, ao longo da distribuição de rendimentos.. As famílias mais pobres são as mais atingidas, mas também nas famílias de classe média, a escalada de preços faz-se sentir de forma profundamente desigual. Porquê ? Há vários fatores a ter em conta, mas um dos mais importantes passa pelos padrões diferenciados do consumo das famílias, consoante o seu nível de rendimento. Para calcular a inflação, o INE, considera como referência um cabaz de consumo "médio" a partir dos dados do Inquérito à Despesa das Famílias (IDEF) Só que os dados desse inquérito permitem concluir que "o peso do consumo de bens essenciais, como a alimentação e energia, no consumo total é muito superior nas famílias mais pobres. Por exemplo, em 2015/2016- anos a que se refere o último inquérito disponível-, os produtos alimentares (incluindo bebidas não alcoólicas) representavam 19,6% da despesa total dos 20% com menores rendimentos no país. Já no caso das famílias nos 20% com maiores rendimentos, esse peso era de 11%, sendo a média de 14,3% O mesmo acontecia com as despesas de habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis que representavam 35,1% da despesas total das famílias que se encontravam entre as 20% mais pobres, por contraponto a 29,6%, no caso dos 20%com maiores rendimentos. Como a energia, e os produtos alimentares contam-se entre os preços que mais têm subido, isto significa que as famílias mais pobres estão a enfrentar uma taxa de inflação mais alta do que o valor publicado pelo INE, porque o peso dos bens essenciais do seu cabaz de consumo é superior ao que têm no cabaz médio considerado pelo INE, no cálculo do IPC. O peso de cada categoria de bens e serviços no cálculo da inflação é função dos dados agregados de consumo, ou seja, as famílias com mais meios, e, que consequentemente gastam mais em consumo têm um peso desproporcional. Há estudos que mostram que, por esta via, a inflação a que de facto estão expostas as famílias mais carenciadas é sistematicamente mais elevada. Por exemplo, no estudo da Deco. que desde fevereiro tem seguido os preços de um cabaz de bens essenciais, e, cujo crescimento dos preços foi bastante mais elevado do que a taxa de inflação agregada. Segundo os dados do Inquérito à Despesa das Famílias (IDEF), a inflação provoca desigualdade. A subida dos preços nos produtos alimentares e na habitação- onde se incluía a energia- é terrível para as famílias com menores rendimentos. Acresce que as famílias mais ricas têm margem de ajustamento. Podem cortar nas despesas não essenciais ou diminuir a poupança. Os mais pobres não têm essa margem, daí a importância das políticas do lado das famílias se centrarem nos mais carenciados. O impacto nas famílias irá depender do tipo de medidas que o Governo adotar, sendo crucial ter alguma forma de apoios, seja pela via fiscal, ou de transferências. A inflação afeta de forma desproporcional as famílias mais desfavoráveis de outras formas: as pessoas com rendimentos mais baixos têm um poder de negociação salarial tipicamente mais baixo, pelo que têm muito mais dificuldade em diminuírem as perdas de valor real nos salários. Por outro lado, também tendem a ter níveis de instrução mais baixos, pelo que num país que está na cauda da Europa, também em termos de literacia financeira, significa que estão muito pouco preparados e /ou informados sobre estratégias que possam adotar para abrandar os efeitos da inflação. A classe média também sente os efeitos da inflação. Aqui, uma das principais questões, prende-se com o aumento dos encargos financeiros co crédito à habitação, por causa da subida dos juros, na sequência da persistência do BCE para travar a inflação, bem como a subida das rendas de casa. As famílias mais penalizadas pela inflação são as que têm rendimentos assegurados(em particular por efeito do desemprego), e, as que têm rendimentos fixos, trabalhadores por conta de outrem e pensionistas. É certo que algumas dessas partes beneficiam de alguns apoios sociais, mas são em geral insuficientes para compensar a perda de poder de compra e deixam de fora pessoas que têm rendimentos muito baixos, mas acima do limiar dos apoios. No entanto, a redução do desemprego, sobretudo os mais jovens, é uma notícia positiva. Ainda não há indicadores disponíveis que mostrem o agravamento da desigualdade por causa da inflação, com consequências profundamente desiguais nas famílias, sem haver alterações nos indicadores oficiais da pobreza e desigualdade ( como o índice de Gini), se não houver alterações na distribuição de rendimentos em termos nominais. podem ter uma forte deterioração das condições de vida das pessoas, e os indicadores de pobreza e desigualdade não o refletirem, porque as estatísticas oficiais baseiam-se nos rendimentos, médios em termos nominais e não captam esses efeitos. É nos indicadores de pobreza que os impactos da inflação irão surgir. Depois de ter sofrido a maior queda em termos reais, em pelo menos sete anos, o salário médio em Portugal, deve continuar a evoluir abaixo da inflação, ou seja continuar a perder poder de compra. O que explica esta evolução? As empresas estão pressionadas pelo aumento de custos, limitando a margem para aumentar salários, e, como a inflação está a ser induzida sobretudo, pelos choques da oferta, significa menor procura dos trabalhadores e menor pressão em alta dos salários. Acresce a existência de limitações à concorrência na contratação dos trabalhadores, que leva a menores aumentos, bem como a a contenção salarial na Administração Pública. No Estado irá aumentar a pressão dos sindicatos, mas penso que os aumentos irão ficar muito aquém da inflação, o que significa quedas em termos reais. Quanto ao setor privado, a perspetiva de abrandamento ou mesmo recessão, na sequência da subida dos juros, deverá levar a uma menor procura de trabalhadores e menor pressão para aumentar salários e às dificuldades de muitas empresas mais expostas à concorrência internacional de aumentarem os custos, sem porem em causa a viabilidade do negocio.
A subida dos juros irá provocar uma recessão ? Alguns economistas não preveem a inviabilidade de uma contração económica , na sequência de uma subida das taxas de juro, mas admitem que a recessão possa estar à espreita, na consequência de fatores negativos- que vão muito para além do desempenho da equipa chefiada por Lagarde. Um cocktail, onde se acrescenta também a crise energética e as disrupções nas cadeias globais de abastecimento. Alemanha e Itália são os países onde a probabilidade de recessão é maior, mas não é uma consequência apenas do aumentos dos juros, mas sim da elevada inflação e da forte incerteza e pessimismo sobre o fornecimento de energia, ás quais acrescem a subida dos juros. O extremar das posições relativamente à importância de gás natural da Rússia aliada, às mais do que previsíveis subidas acentuadas das taxas de juro, são os principais fatores a sustentar as previsões de uma recessão. A política monetária mais restritiva vem juntar-se às dificuldades já criadas pela pandemia e pela guerra da Ucrânia, pelo que parece difícil a Europa escapar a uma recessão. A questão será perceber se essa recessão é mais ou menos profunda ou duradoura, e, aí a política monetária poderá pesar muito. Se se concretizar o arrefecimento na Europa, Portugal não deverá escapar incólume. A cresce que o país está mais exposto ao aumento dos juros, dado os níveis de endividamento ainda elevados, e a maior parcela de taxa variável nos contratos, nomeadamente no crédito à habitação. Será principalmente no quarto trimestre em que sem o turismo para ajudar, e, com os efeitos das mais que prováveis subidas das taxas de juro, que poderemos ver um abrandamento mais significativo da economia.. O abrandamento da economia, por si só, não resolverá a inflação. Precisamos de continuar a normalizar a política monetária. As forças subjacentes ao abrandamento da economia são muito semelhantes às que estão a fazer subir a inflação. O que queremos evitar é uma situação semelhante à da década de 70, que também começou com um choque energético. seguido de efeitos de segunda ordem, que tornem a situação muito pior. O abrandamento da economia reduzirá as pressões do lado da procura, o que fará baixar a inflação. O nível de inflação que temos agora na Europa está a causar dificuldades às famílias com baixos rendimentos Por isso, é muito importante que a política orçamental desempenhe um papel ativo no alivio das dificuldades causadas pela inflação a estes grupos vulneráveis.. Reduzir a procura de energia na Europa, é a melhor forma de reduzir a dependência da Rússia.