sábado, 30 de julho de 2022

O CRESCIMENTO ECONÓMICO PORTUGUÊS

 A questão mais relevante do crescimento económico português da última década, é o seu modelo de especialização. O problema consiste no facto de não termos resolvido as nossas debilidades produtivas, e, de pelo contrário, se ter acentuado a tendência de concentrarmos recursos em setores e atividade de baixa criação de valor, baixos salários, e, portanto baixa produtividade. Nas últimas quatro décadas "verifica-se que o setor dos serviços" é aquele que se expande em fase de retoma, mas que se retrai despropositadamente em fase recessiva, manifestando uma enorme volatilidade. Mais recentemente "o crescimento do PIB" entre o primeiro semestre de 2014 e o mesmo semestre de 2017, pode ser explicado pela forma como evoluíram três fatores: forte crescimento do emprego, quase estagnação do produto por trabalhador( uma das medidas da produtividade), e ligeiro receio da taxa de atividade. Ou seja: a recuperação do emprego ocorrida a partir de meados de 2013, significou mais do que uma variação quantitativa dos níveis de emprego e desemprego. Neste período, a estrutura do emprego, a sua distribuição por escalões etários, níveis de escolarização e ramos de atividade económica, alterou-se substancialmente. Concretamente, os ramos que criaram mais emprego, foram precisamente aqueles onde se pagavam salários abaixo da média nacional, enquanto se verificava a destruição de postos de trabalho em atividades com salários acima da média. A questão é clara: precisamos de política industrial e de uma estratégia para reduzir a dependência dos serviços, dos baixos salários, e, portanto dos "incentivos" à persistência de um sistema de emprego demasiado assente na baixa organização e na escassa produtividade. Não é preciso dizer que, nos dias de hoje, uma política industrial não é industrialização "à moda antiga" ; é uma estratégia organizacional produtiva, de redução de baixa qualificação das empresas, de incentivos ao uso do trabalho, no quadro das relações laborais adequadas e de estruturação não dependente da economia nacional. Há duas circunstâncias do crescimento que não podem ficar de fora, e, sem o qual este processo se degrada: a repartição dos benefícios com lugar para a melhoria da inclusão social e a quebra das dependências (incluindo a energética) e dos desequilíbrios do País (incluindo o ambiental e o territorial) Como ultrapassar a crise? A inovação e a criatividade são fatores centrais de uma nova confiança, de uma ambição global, de uma capacidade de construir soluções para novos problemas, e, de uma resposta à crise. Impõe-se por isso, uma cultura de mudança.. O nosso país desenvolveu -se nas últimas décadas abaixo das expetativas geradas pela nossa adesão à UE, apesar da importante melhoria, quer do nosso PIB per capita, quer dos nossos indicadores sociais. Isso deve-se a três razões principais: a nossa falta de escala/ em termos internacionais; o ser um país periférico do seu mercado europeu; e insucesso na atração de investimentos para o País, que apostem nas redes/cadeias de valor institucionais. Esta questão da fraca produtividade de capital externo para investimento em projetos de competitividade global, é a questão mais importante: Por algumas razões, não temos conseguido fazê-lo com sucesso, nos últimos vinte anos, e, sem uma estratégia ambiciosa que inclua esta vertente, não havia desenvolvimento sustentado no País. Depois de dois anos de pandemia, que todos os países tiveram de enfrentar, e agora com a guerra na Ucrânia, cujos efeitos a nível mundial, ainda estão por apurar(além da inflação que se sente), há que somar as dificuldades resultantes das questões climáticas e ambientais, e, ainda um grave problema; o acelerado envelhecimento da população. Não creio que a guerra na Ucrânia não seja afinal temporária, o que significa que o nosso país terá de enfrentar ainda, além dos efeitos da pandemia, que persistem, os efeitos mais prolongados da inflação. Vejamos algumas questões estratégicas, que considero determinantes para o desenvolvimento sustentado a longo prazo do país.

1- Que no mínimo se cumpram os objetivos ambiciosos já traçados, no que respeita às questões climáticas, à biodiversidade e ao fenómeno do degelo, sabendo que o nosso clima temperado, tenderá a aproximar-se ao longo do século, de um clima mais tropical do que temperado;

Que se fomentem sub-regiões ibéricas de desenvolvimento integradas para que os projetos estratégicos dos dois países se realizem, e, as empresas portuguesas ganhem escala internacional;

3- Que se implemente uma política de imigração(jovem e qualificada), para reduzir o risco de envelhecimento e diminuição da população ativa que se tem verificado no país;

4- Que se reforcem medidas de incentivo ao investimento estrangeiro, estimulando que o país se integre nas redes de cadeia de valor internacionais;

5- Que haja uma melhoria da nossa competitividade externa e eficácia organizacional pela adoção da "internet das coisas" e da inteligência artificial nas empresas e no funcionalismo público;

6- Que se aposte na economia do mar, como um setor estratégico, de que pouco se fala;

7- Que se contribua para que o projeto europeu se reforce coo um bloco, e, que o modelo democrático ocidental fortaleça a sua componente de criação de valor.

Um programa para a competitividade associado à recuperação desta crise, tem que impor dinâmicas efetivas de aposta na tecnologia, seja ao nível da conceção de ideias novas, de serviços e produtos , seja, ao nível da operacionalização de centros modernos rentáveis de produção, seja sobretudo, ao nível da construção  e participação ativa em redes internacionais de comercialização de produtos e serviços O imperativo de uma nova ajuda, deverá consolidar novas perspetivas para o território. Portugal tem uma oportunidade única de potenciar um novo paradigma de cidades médias voltadas para a qualidade, a criatividade e a sustentabilidade ecológica. Este ano e os próximos irão ser decisivos para a economia e sociedade portuguesas. Está em cima da mesa, no contexto da consolidação e integração europeia, a capacidade de o nosso país conseguir efetivamente, apresentar um modelo de recuperação estratégica, sustentada para o futuro. Em tempo de crise, os recentes acontecimentos, à volta da agudização da crise, vieram uma vez mais demonstrar que existe no nosso país, uma minoria silenciosa que de há anos a esta parte, mantém o status quo do sistema paralisado, e, a pretexto de falsas dinâmicas de renovação social e reconversão económica, tenta reconciliar o caminho do futuro, com as mesmas soluções do passado, influenciáveis no contexto da mudança, como aquele em que vivemos. 

terça-feira, 19 de julho de 2022

A EVOLUÇÃO DA INFLAÇÃO EM PORTUGAL

 A inflação é uma subida generalizada dos preços na economia. E traduz-se, na perspetiva das famílias, numa perda de poder de compra do seu rendimento nominal. Pode assim também ser vista como uma desvalorização da moeda. Uma inflação baixa, estável e previsível é boa para a economia. Isto é, permite que os diferentes atores, de forma relativamente independente, usem os sinais contidos nos preços, para tomarem decisões no seu melhor interesse, e, por essa via, ajudarem a que a economia produza resultados eficientes em termos de bem-estar individual. A inflação pode ser medida de várias maneiras, mas a generalidade dos países tenta medir um índice de preços no consumidor, no caso de Portugal usa-se o Índice de Preços no Consumidor (IPC). Temos inflação em Portugal? Sim a taxa de variação homóloga do IPC está atualmente nos 9,1%. A questão é perceber se a inflação observada em Portugal, reflete alterações nos rácios dos preços, que por definição, não geram persistência, ou, se pelo contrário, resultam das consequências da política sanitária, fiscal e monetária adotada nos EUA e na zona euro durante os anos de pandemia, entre Março de 2020 e Dezembro de 2021. No caso de Portugal, a inflação começa a notar-se no IPC, a partir de Dezembro de 2021. Se  o fenómeno fosse exclusivamente monetário, o fator comum na variação dos preços seria dominante. Continuaria a haver dispersão nas variações dos preços, mas todas as classes de bens teriam um choque detetável na variação do seu indicador de preços. A enorme subida  é aliás tão grande que não forma expetativas de inflação idênticas para o futuro. Pelo contrário, se os operadores do mercado identificarem quebras nas cadeias de abastecimento como razão próxima das variações abruptas dos preços, seria até de esperar uma descida dos preços nos bens compensatória quando se atingisse uma maior coordenação contemporânea entre a procura e a capacidade de produção e fornecimento dos vários tipos de matérias-primas, bens e serviços. Por outro lado, o estímulo monetário, nos EUA e na zona euro euro, foi brutal, o que em si mesmo deveria gerar inflação. Acresce que as economias desenvolvidas mantiveram o regime geral de rendimentos do trabalho num contexto de fortes condicionamentos à atividade produtiva resultantes das restrições sanitárias adotadas. Em síntese, há bons argumentos para defender que a inflação observada em Portugal tem elementos transitórios mas também permanentes. A verdade, neste caso, parece estar nos dois lados. Ou seja, a inflação poderá baixar um pouco mesmo que não seja combatida, mas dificilmente baixará o suficiente se a Reserva Federal americana (FED) o BCE, mantiverem uma política acomodatícia. Os sucessivos choques de oferta e de procura que atingiram a economia global desde os finais de 2019, as políticas económicas. e, recentemente, a escalada dos preços de energia ampliada pela invasão da Ucrânia, originaram um aumento das taxas de inflação nas economias do mundo ocidental. Será que elevadas taxas de inflação e vão prolongar no médio prazo? Por um lado, a situação atual encerra já, em si mesma, ingredientes de travagem que assegurarão o retorno a níveis próximos da fasquia de 2%, na economias do ocidente, e não em 2023, pelo menos em 2024. Por outro lado, não há dúvida, que existem riscos de "enquistamento" de taxas de inflação sustentadamente mais elevadas, do que no passado recente, sobretudo pelo esforço da transição energética e recuo da globalização. A pandemia, numa fase inicial, causou sucessivos choques de procura e de oferta, à medida que as economias navegavam entre confinamentos e vagas sucessivas e descontroladas. Depois, numa fase posterior, já com políticas orçamentais a apoiar fortemente, e, a suportar a procura, prevalecem os choques da oferta, pois as vagas refletiam-se sobre as cadeias logísticas e interromperam fluxos comerciais e de produção , de forma inesperada, em todo o mundo. Complementarmente, e, ainda com impacto atual, as políticas de covid, na China, importante fornecedor mundial, e, interveniente nas cadeias de valor, têm-se refletido no prolongamento dos designados estrangulamentos da oferta, adicionando às pressões inflacionistas. mas esperava -se  que a médio prazo, a inflação normalizasse gradualmente, à medida que os reflexos da pandemia se atenuavam, e, a oferta iria progressivamente dando resposta à procura acrescida.  A invasão da Ucrânia, em 24 de Fevereiro de 2022, veio alterar este desequilíbrio, acrescentando novos intervenientes, muito evidentes no disparo dos preços dos combustíveis, minerais e alimentação. Para tal, contribuíram, por exemplo as baixas reservas de gás na Europa, petróleo e carvão, com a Rússia a reduzir o seu abastecimento no mercado spot de gás, e, com o aumento das importações de energia da China, devido a problemas nas suas mina de carvão, e, que foram agravadas este ano pela guerra na Ucrânia. Acresce referir que os mercados futuros preveem que a pressão sobre os preços de energia será de longa duração. Vivemos por isso, num mundo incerto, que se caracteriza por elevadas taxas de inflação no imediato, resposta dos bancos centrais e do mercado- as taxas de juro já aumentaram cerca de 75p.b. desde o início de 2022-encarecendo o financiamento perspetiva de menor liquidez no mercado do dólar e de paragem das ações de liquidez no mercado do euro. Em suma, uma envolvente certamente mais restritiva, quer do ponto de vista financeiro, quer também porque o encarecimento de bens essenciais, com procura pouco elástica, dado o reduzido grau de substituibilidade, se refletirá em menor consumo e investimento. Ou seja, dado o atual enquadramento em 2022- 2023, perspetiva-se menor crescimento que aquele que se previa antes da guerra da Ucrânia; mais inflação a curto prazo, bem como taxas de juro mais elevadas, em resposta ao aumento das pressões inflacionistas. Todavia, a médio prazo, não nos parece que os fatores de influência se tenham alterado de forma radical. Questões como o abrandamento do processo de globalização, a tendência para uma maior verticalidade  e proximidade das cadeias de produção, e, a transição energética, tendem a suportar as taxas de inflação mais elevadas. Ora taxas de inflação elevadas reduzem a capacidade aquisitiva das famílias, o poder de compra e pesam nos custos operacionais das empresas. A inflação tem também impacto muito diferenciado em termos individuais, consoante o rendimento, a capacidade de poupança e a situação patrimonial; nas empresas consoante o setor e a estrutura produtiva, ilustrando esta desigualdade, estimamos que a taxa de inflação em termos de bens essenciais, para indivíduos com menores rendimento, no próximo quantil da distribuição, seja de 1% mais elevada do que a taxa global. Um aumento das taxas de juro de referência irá trazer níveis de acomodação muito precários, pois os níveis de endividamento das famílias e dos Estados, são muito elevados, em comparação com a década de 70, levando a uma maior carga do serviço da dívida. Adicionalmente, um cancelamento do programa de aquisição de ativos, arriscará uma repetição da crise das dívidas soberanas, com a abertura, mais uma vez, de fendas neste bloco, com um disparar dos spreads soberanos na periferia da Zona Euro, constituindo um entrave à intervenção pública,( condenada a nível europeu), na resolução dos problemas e na mitigação dos seus efeitos. Ou seja, uma alta das taxas de juro, pode ser estrategicamente auto derrotista, por ser dificilmente compatível com desafios, como o investimento na reconfiguração da economia(transição energética e digital), e por contrariar desígnios socie tais e estratégicos, como a desindustrialização e a anatomia tecnológica. Serão necessária medidas de sentido micro setorial, e, não uma mera postura micro/monetarista para gerir a turbulência na conjuntura, e, assegurar as novas condições estruturais. Assim, é necessário afastar para já "caçadeiras de canos serrados" e, priorizar a adoção de "armas de precisão", que tenham por objetivo os pontos de pressão estrutural. A curto prazo, as armas necessárias serão, instrumentos de natureza administrativa, dirigidos aos focos que surgem em setores que são muito concentrados, atenuando a contaminação do resto da economia: tetos de preços nas cadeias de valor da energia e a imposição de margens na área de distribuição moderna de bens de consumo (cadeias de supermercado, etc) Tais ações deverão eventualmente coexistir com medidas desenhadas para controlar riscos resultantes da indústria financeira e que podem vir a destabilizar outras componentes da economia. A longo prazo, defende-se um programa de investimento transformador da realidade económica, ao nível dos fatores de produção mais fundamentais, visando necessariamente maior autonomia energética e alimentar ( o que tem uma grande sobreposição com o combate às alterações climáticas, e, da qual não pode ser dissociada). Isto implica uma mobilização de recursos, para esse efeito, que agravará as pressões inflacionistas, que se fazem sentir atualmente, sendo por isso necessário o acompanhamento de medidas que ajustem a utilização desses recursos para outros fins, de forma a que se incentive o reinvestimento em mecanismos viabilizadores  de autonomias e de atenuação de volatilidades. Estas implicam estratégias explícitas na mobilização da capacidade produtiva para o " bem comum": limites qualitativos, por setor, e quantitativos ao crédito concedido, reformulação do enquadramento institucional do financiamento público, regulação do perímetro do portfólio de investidores institucionais; são algumas das opções a fazer parte deste conjunto. Este mix de medidas não deveria ser entendido como "economia de guerra", no entanto, devem ser alongadas as medidas de curto prazo e ter uma lógica prospetiva e sustentada de longo prazo. O aumento permanente da taxa de inflação, implicará mais tarde ou mais cedo, uma alteração da política monetária seguida pelo BCE, algo potencialmente devastador para os países da zona euro que estão mais endividados. Ganhou-se ainda consciência da necessidade de aumentar o nível de segurança militar, na Europa, o que vai exigir um aumento da despesa pública neste setor, o qual deve ser conseguido através da cobrança de mais impostos e/ou corte de financiamento de outras áreas de intervenção do Estado. Ao mesmo tempo, prepara-se uma revolução na forma como o bloco europeu se organiza para suprir as suas necessidades energéticas, sendo este um movimento que criará, seguramente, muitas oportunidades de crescimento no futuro.