quarta-feira, 31 de março de 2021

O IMPACTO DA PANDEMIA NA ATIVIDADE ECONOMICA E SOCIAL

 Na maior parte das opiniões as previsões são bastante negativas. Primeiro, o efeito que a pandemia teve no emprego das mulheres: muitas mães com filhos pequenos, viram-se obrigadas a ficar em casa e- voluntária ou involuntariamente- ficaram desempregadas. Nos Estados Unidos, a disparidade do efeito da crise, nos homens e nas mulheres, é tal que alguns se referem à presente recessão como se tratasse de uma "she-cession". Há no entanto, um aspeto positivo: um dos principais fatores que têm levado à discriminação das mulheres no mercado de trabalho- nomeadamente em progressões da" carreira"- é que estas profissões, exigem um grau de disponibilidade que muitas mulheres não têm, ou não querem ter(por exemplo ficar no emprego longas horas ou viajar frequentemente) Para estas mulheres que querem seguir uma carreira minimamente compatível com tratar da família, o futuro é mais risonho do que o passado: um dos efeitos do teletrabalho, será a maior flexibilidade na gestão das carreiras. E, as mulheres, nomeadamente mães, serão provavelmente o grupo mais beneficiado, por esta evolução. O segundo caso é a globalização. Para aqueles que defendem, no seu conjunto, a globalização é uma coisa boa, a pandemia foi um golpe forte. Por exemplo, as Nações Unidas, estimam que o volume de turismo, baixou entre 60 e 80 por cento, o que corresponde a uma perda económica de mais de um milhão de dólares. No entanto, tal como o teletrabalho, a grande experiência da pandemia, terá efeitos que continuarão muito para lá. Um desses efeitos é acelerar a convergência para a "economia não espacial". A economia é cada vez mais uma economia de serviços, e muitos desses serviços, são facilmente transacionados à distância. Muitas empresas em muitos setores estão a descobrir que uma parte importante do movimento das pessoas é supérfluo. Nesse sentido, as medidas "tradicionais" de globalização- como seja o transporte aéreo- não mostram a fotografia completa do que está a acontecer à globalização. O terceiro caso- da faca de dois gumes-  é o efeito da pandemia nos mais pobres. O século XXI tem sido mau para os menos favorecidos. Concretamente, a revolução digital em curso, cria um fosso cada vez maior entre os que têm as aptidões necessária para vencer, e os que não as têm. A pandemia. é uma machadada adicional em muitas dessas pessoas: pessoas que trabalham em fábricas e em escritórios, e especialmente, pessoas que trabalham nos setores a restauração, hotelaria e relacionados. É provável, que, muitos desses empregos, sejam restabelecidos no futuro, mais ou menos próximo, mas entretanto, temos mais de milhares e milhões de pessoas que sofrem a sério. No entanto, há uma vontade política, de criar programas ambiciosos de apoio às famílias e às pequenas e médias empresas. Isso varia de país para país, mas os casos da União Europeia e especialmente dos Estados Unidos, são notórios, tanto no que respeita à dimensão do programa, como ao  enfoque no auxílio dos mais favorecidos, como também o relativo consenso sobre a importância dessas medidas. Esperamos que, no futuro, olhemos para trás e, vejamos 2021, como o ano em que começamos a combater o problema da desigualdade e exclusão social de forma séria. Coloca-se a este propósito uma questão: saber se o principal risco político para as democracias é o nível muito elevado de pobreza, ou um padrão de distribuição de recursos muito desigual. A necessidade de resolver as causas estruturais da pobreza não pode esperar; e, não apenas por uma exigência pragmática de obter resultados e ordenar a sociedade, mas também, para a curar duma mazela que a torna frágil, e que só poderá levá-la a novas crises.. A desigualdade é a raiz dos "grandes males", e enquanto não forem solucionados os problemas dos pobres, renunciando à especulação financeira, e combater as causas sociais da desigualdade social, não se resolverão os problemas do mundo. Nas últimas décadas, mesmo em sociedades ricas, as desigualdades na distribuição de rendimentos, aumentaram. Esta transformação, tem consequências económicas sociais e políticas profundas. A desigualdade tem um preço: níveis excessivos de iniquidade na distribuição de recursos, representam um risco sistémico e são responsáveis por diversas formas de instabilidade política. Uma sociedade dividida, funciona pior, também porque, a desigualdade material traduz-se necessariamente numa desigualdade política. Por isso, nas nossas sociedades, os riscos associados às desigualdades materiais, foram regulados politicamente através de mecanismos de socialização, de que a criação da proteção social, assente no seguro público, é exemplo paradigmático. A importância relativa dos mecanismos de redistribuição material, como forma de contrariar as desigualdades criadas no mercado, corresponde a um reconhecimento de que a desigualdade dos resultados e de rendimentos, é ,uma importante medida, artificial, logo a focalização excessiva na igualdade de oportunidades, incentivada pela educação pública é desadequado. Responder à desigualdade de resultados, é a forma mais eficiente de responder às desigualdades de oportunidades, porque garantir trabalho e /ou rendimentos suficientes aos adultos, ajuda a quebrar a reprodução geracional da pobreza. Encontramo-nos em tempos difíceis. É necessário dar resposta a alguns problemas económicos para irmos resolvendo o problema da crise em que vivemos.


quinta-feira, 4 de março de 2021

A" BAZUCA" EUROPEIA

 O agudizar da crise pandémica  confirma a ideia de que 2021 é um ano marcado pela continuidade e agravamento da crise iniciada no ano anterior. Isto é, um problema de saúde pública que além da destruição humana que provoca, atira a economia para uma profunda crise, com consequências ainda não totalmente previsíveis. A pandemia parou subitamente um ciclo de mais de uma década de crescimento económico contínuo, naquele em que já era considerado como o mais longo "bull market". Tudo parou bruscamente com o início da pandemia. Apesar das boas perspetivas com as vacinas e a maior resistência no sistema de saúde e das empresas, os resultados catastróficos do início do ano, colocam Portugal em duplo desafio: travar o aumento do epicentro da crise da saúde pública com a trágica perda de vidas e antecipar as ações para contrariar o aprofundar das consequências na economia. A perda em Portugal é enorme. Só em 2020 a nossa economia teve uma recessão a rondar os 7,6% do PIB, com impactos sérios e altamente destruidores em setores importantes, o que levou à perda de milhares de postos de trabalho e à falência de muitas empresas. O investimento empresarial caiu mais de 16% no ano passado, de acordo com o Inquérito ao Investimento do INE. Para 2021, as perspetivas são uma recuperação modesta; pretende-se, apenas um crescimento de 3,5%. Devido ao confinamento da Europa, o FMI reviu também em baixa as previsões de crescimento económico na Zona Euro para 4,2%. Nas crises, é comum pensarmos que temos muitas formas de as gerir ou manter soluções. Mas não, as crises caracterizam-se exatamente por encolher as opções e estreitar os caminhos a percorrer. A crise a que estamos a assistir é nova em muitos aspetos, nomeadamente, na dimensão que está adquirir e na forma transversal com que está a afetar na generalidade das empresas. Com estes dados é agora preciso atuar e saber que escolhas a fazer. A aposta na qualificação de pessoas, na automação ou na transformação digital, poderão ser chaves de um passado não muito distante. Contudo, os dados de que dispomos conduzem a um caminho convergente, e que o digital, não e sinónimo de inovação, mas sobrevivência e esperança  no futuro, salvando postos de trabalho e aumentando a produtividade. Esta crise, teve um efeito geral de aceleração de tendências, que já se dava em diversos planos: na digitalização, na forma de trabalhar, ou na relação com os clientes. No entanto, existe o risco de poder ser um enorme "aquaplaning"  que conduza ao desvio de muitos no caminho certo. Quando uma empresa se transforma na área digital, já não está apenas a potenciar aquilo que fazia, mas sim, a abrir novos mercados e a expandir-se em termos de base de clientes. É por isso, que os processos de transformação e inovação digitais, passaram subitamente de "um nice to have" para uma condição mínima de existência, sendo um pilar fundamental na recuperação esperada. Este foco na transformação digital, ajuda a reunir outro pilar, que considero fundamental para a nossa recuperação económica: a aposta em alguns setores industriais e na produção nacional. Não nos podemos esquecer que uma da razões para o progressivo abandono de alguns setores industriais, foi a falta de competitividade que as nossas empresas tinham, quando comparadas com concorrentes internacionais. Só através do aumento de eficiência e produtividade, podemos pretender desenvolver novamente algumas indústrias, pois o mercado e os clientes, não estão disponíveis para suportar os custos de operações antiquadas, ou insuficientes. O mercado continuará a ser global! O caminho é mais estreito do que podemos pensar. Muitas empresas e organizações já perderam esta batalha, e, ainda estamos apenas no início. Segundo o estudo Resilliense Report de Deloitte. de 2021, que mede o grau de resistência das organizações globais, e que contou com a participação de mais 250 chief experience officeres em 21 países, 60% dos líderes do C- level, acreditam que a quebra veio para ficar e irá continuar a marcar o futuro numa base regular e pontual .E a chave numa crise ,como esta, é atuar o mais possível com eficácia. .É de avançar em áreas-chave: investir na força de trabalho com requalificação; diversificar e expandir operações; consolidar negócios e ganhar dimensão; desenvolver capacidades tecnológicas com novos modelos de negócio; desenvolver o trabalho remoto, entre outros. Neste percurso, existirão caminhos aparentemente viáveis, mas que acabarão em becos e valas que poderão ser intransponíveis para muitas empresas, organizações e até setores inteiros. Para que a crise iniciada não se transforme ainda numa crise ainda mais profunda, há que reduzir opções e intensificar o caminho a percorrer com esperança e determinação. A solidariedade entre os países da União Europeia, é fundamental na resposta a esta crise, nas suas vertentes económica e social.. É relevante o projeto europeu, como projeto de paz e de união neste período difícil em que vivemos. O apoio pela via do PPR  é substancial e tem que ser já. Não nos podemos esquecer que este Plano é uma parte do bolo financeiro com que Portugal pode contar para atenuar os impactos da crise pandémica. Os objetivos do Plano de Recuperação e Resiliência devem:  dinamizar as empresas privadas reforçando os seus capitais e tornando-as mais competitivas nos mercados globais; apoiar os investimentos na requalificação dos trabalhadores portugueses, na transição digital, e, no reforço das condições de sustentabilidade ambiental das empresas(nomeadamente no contexto da transição energética). Um dos maiores problemas  assenta no nível de liquidez, pelo que estes apoios devem atuar sobre esta vertente emergente, para além de preparar as empresas para a fase de recuperação, o que passa por uma aposta na valorização da indústria, na requalificação dos recursos humanos; na digitalização dos negócios, na eficiência do uso de recursos, entre outras matérias, e, ligados à produtividade e e competitividade.. A proposta que se encontra no PRR, em consulta pública, representa uma desilusão para o turismo. A referência ao turismo sendo escassa, surge apenas associada a temas genéricos, e não como seria urgente, a projetos estruturais para o desenvolvimento da atividade. Este documento não reflete a importância que o turismo  tem para o PIB  português, no contributo para a criação de emprego e riqueza para o país. É necessário existir um programa específico para o turismo. Por outro lado, as empresas não têm liquidez e estão muito endividadas. Precisam de liquidez imediata, que deve ser canalizada preferencialmente através da modalidade de financiamento a fundo perdido. Dos 2,7 mil milhões de euros, há uma parte (1,25mil milhões de euros), que deve ter uma papel importante no apoio ao financiamento, desejavelmente, deve prever a conversão total em subsídios a fundo perdido, sem imposição e rigidez de requisitos, que as empresas dificilmente podem assegurar. Vamos ter recursos disponíveis, como nunca vimos em anteriores quadros comunitários. Mas o período que estamos a passar é também inédito. Por isso ,neste momento, a economia precisa, sobretudo, de apoios a fundo perdido, sob pena de assistirmos a um aumento de insolvências e de destruição da capacidade produtiva , o que limita a capacidade de recuperação, quando a economia estiver controlada. Mas, simultaneamente, deve existir grande preocupação pela qualidade da aplicação desses fundos. De pouco servirão se não forem utilizados de forma eficaz e rápida. É necessário saber gerir esses fundos. O Fórum para a Competitividade, considera que o Plano de Recuperação e Resiliência, deve estar concentrado numa forte aceleração do crescimento, única forma de manter contas públicas saudáveis que permitam satisfazer as ambições legítimas da população em termos de saúde, educação, segurança social, ascensão sócio-profissional, e o futuro da economia e do país. Deve por isso ser centralizado na reindustrialização; no incentivo ao aumento da dimensão da empresas ; na promoção da competitividade; da exportações ; na atração de IDE; na melhoria da formação e da qualificação dos recursos humanos; bem como , no aumento da flexibilidade do seu contributo; no estímulo da poupança; e da sua utilização eficiente; numa fiscalidade amiga dos investidores nacionais e estrangeiros; no investimento em infraestruturas da digitalização, que permitam ao país participar na economia do futuro; na reforma de toda a administração pública. Os objetivos a atingir no processo de reindustrialização  são:

- Distribuição mais equilibrada do PIB entre os setores primário, secundário e terciário;

- Aumento do valor acrescentado dos produtos e serviços transacionáveis;

- Melhoria do posicionamento competitivo dos produtos e serviços transacionáveis no âmbito da globalização;

- Incremento do rácio Exportações/PIB, alcançando o objetivo de 60%;

- Criação de emprego com maior sofisticação intelectual e tecnológica, mais bem remunerado;

- Intervenção em toda a cadeia de valor, melhorando a resistência da economia portuguesa às crises internacionais;

- Criação de grupos económicos mais robustos e com maior integração internacional.

O dinheiro da "bazuca" ainda não chegou e a polémica já está instalada sob a forma de o gastar. Em primeiro lugar, há que referir o impacto do dinheiro de Bruxelas, cerca de 14mil milhões até 2026, não chega para compensar a riqueza que o país deixou de criar em 2020, que foram 15 mil milões de euros a menos, relativamente a 2019. Em segundo lugar; as opções sobre a sua aplicação, já se encontram realizadas; apoios sociais, investimento na Administração Pública em diversos domínios, e investimento em algumas infraestruturas, altamente consumidoras de capital, a pretexto da transação digital  e do "green deal", que se resume em colocar mais dinheiro em empresas renováveis, mas que nos vão ficar dispendiosas, no final. Em terceiro lugar, os investimentos irão ser concedidos ao setor privado, pelo que o dinheiro de Bruxelas  se estenderá pela economia, e, pela sociedade, mas entregue a quem possui competências e capacidades para o aplicar mas de forma competitiva. Entretanto, o melhor indicador que a economia está a desligar-se é o desemprego que está a subir em flecha, ameaçando o país com a maior crise social de sempre. O PRR foi acordado no verão de 2020, quando se receava que o impacto da crise económica nas finanças públicas, levasse a uma nova crise da dívida soberana. Na Europa, a prioridade da política económica, não é bem o crescimento, nem o dever de combater recessões. O objetivo não é estimular a economia, mas sim aliviar o Estado. Tudo nas políticas económicas europeias se submete à enorme prioridade: lutar contra o peso da dívida pública.