sexta-feira, 31 de março de 2017

O BREXIT

O dia 29 de Março na História da integração europeia. Desde que foi criada a Comunidade Económica Europeia, cujo tratado fundador acaba de fazer 60 anos, a integração foi sempre uma história de somar e nunca de diminuir. O primeiro alargamento foi aquele em que o Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca aderiram (1973). O segundo alargamento é o das novas democracias do Sul: Grécia, Espanha, Portugal, libertas das relativas ditaduras(1982 e 1986). O terceiro, foi consequência do fim da Guerra Fria, abrindo as portas aos países com estatuto de neutralidade determinado pela divisão da Europa: Áustria, Finlândia e Suécia(1995). A partir de 2004, a Europa abriu as portas aos países que ficaram do lado errado da História, no final da II Grande Guerra. Em forma de Big Bang: entraram oito do Leste e duas ilhas a Sul nessa data, juntando-se mais dois em 2007, e mais um em 2013.
 A Europa entrou há muito em fadiga do alagamento. As portas não se fecharam, mas não se abrirão nos tempos mais próximos. Hoje, a História começou a rodar ao contrário. Não é um pequeno país periférico, que abandona a União, por qualquer razão conjuntural. É um país que marcou definitivamente a História europeia do século XX. É a segunda potência económica da União,que tem um poder militar e diplomático significativo, que escolheu sair da pior maneira possível, sem estratégia, o que obriga o Governo a recorrer a truques imperiais que há muito deixaram de fazer sentido.
A construção do "Brexit" teve de ser feita à posteriori, no dia a dia. O acesso ao mercado único que chegou a ser uma prioridade, foi sacrificado no altar da imigração. O "Brexit" traduz a vitória da metade que não gosta do multiculturalismo e vê a sua vida confortável ameaçada pelos imigrantes, sobre a outra vontade que dá a Londres o estatuto da cidade mais global do mundo. O Reino Unido tornou-se fundamental no xadrez politico europeu. Com a unificação alemã, tornou-se mais importante.
 Forjou uma aliança com a França, nas guerras dos Balcãs, onde os dois países sofreram humilhação de apelar à intervenção americana para travar um massacre. Sem o Reino Unido, a Europa ficará sem um elemento do seu lado atlântico e deixará de novo a França e a Alemanha frente a frente, para tentarem dar sentido a uma Europa obrigada a assumir novas responsabilidades na defesa e na diplomacia. Será uma Europa mais alemã. Perderá uma capacidade insubstituível de um país que está habituado a usá-la.
Como ficará a Europa? Ninguém sabe.
Os líderes europeus resolveram ostentar uma aparente indiferença perante o "Brexit" como se tratasse de um pequeno percalço.
Têm o mesmo interesse estratégico que Londres numa negociação positiva para ambos os lados.
O resto do mundo passará a olhar para a Europa e para o Reino Unido com mais condescendência. As potências emergentes sabem que dificilmente haverá uma global Britain e que a possibilidade de uma global Europe diminui.
O mundo anglo-saxónico, que construiu a ordem liberal em que vivemos, retira-se. Não é propriamente uma boa noticia.
Como se deve negociar a saída do Reino Unido da União Europeia?
O "Brexit" é uma descapitalização grande para a  Europa e a perda de um bom aliado para os países da Península Ibérica. Devemos pois, defender a unidade e fazer um negociação que não admita a contaminação a outros países. Há que procurar um acordo razoável, mas tendo em conta a obrigação fundamental de preservar a União Europeia. O artigo 50º do Tratado de Lisboa inicia o período de dois anos de negociações que culminarão na saída do Reino Unido da União Europeia.
O processo "Brexit" tem várias cordas:
- Quanto à moeda, o impacto mais visível deu-se na inflação: saltou para 2,3% em Fevereiro, devido aos alimentos e combustíveis.
A taxa pode subir para 2,8% na primeira metade de 2018, segundo o Banco de Inglaterra. A libra fraca pode mexer na balança de pagamentos do país - hoje negativa-, favorecendo as exportações. Mas não é certo. Depende da componente de inputs importados nas exportações. Quanto ao comércio interno, o ideal para Londres é consegui um acordo de livre comércio com a União Europeia, pois as trocas com os 27 representam 44% das suas exportações e 53% das importações. Não há hoje taxas ou barreiras para bens e serviços. Sem acordo, aplicam-se as tarifas da Organização Mundial do Comércio, com custos para ambos os lados. Bens que estão no topo da lista das exportações como os hidrocarbonetos, terão de continuar a obedecer às normas europeias.. Os Estados Unidos são o candidato mais importante para acordos ( 19% das exportações e 11% das importações).
Quanto ao controlo da imigração é um objetivo central do "Brexit" e terá sido motivação primordial para muitos dos 17milhões que assim votaram.
Para conseguir um acordo de comércio livre com a União Europeia, Londres terá de mostrar flexibilidade. Quem não reúne as condições legais de residência pode estar em risco. Os que vivem no país há mais de cinco anos, podem pedir um certificado de residência permanente, sendo que um, em cada quatro é recusado. A questão dos direitos dos imigrantes da União Europeia e britânicos é uma prioridade nas negociações. Quanto à saúde, o Reino Unido tem uma enorme carência de pessoal médico e enfermeiros. Também terroristas britânicos perderão o direito ao cartão do seguro de doença que dá acesso a todo o atendimento da União Europeia. Relativamente ao terrorismo, o Reino Unido é visto como uma "superpotência" europeia no combate ao terrorismo. E tem ligações estreitas nesta matéria, com os Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Um "Brexit" sem acordo enfraquecerá o combate ao crime e ao terrorismo.
Quanto à ciência e à educação reina o pânico. As Universidades britânicas têm feito enorme pressão para evitar os efeitos do "Brexit". Naquelas escolas, um em cada quatro investigadores veem de outros países da União Europeia. O número de estudantes europeus está a cair.
Agora a crise na Europa é existencial, porque um membro da União Europeia sai. Há que procurar resposta numa Europa viável, olhando para as ideias que ditaram a fundação da União Europeia. É necessário uma União mais concentrada nalgumas competências, devolvendo outras aos estados nacionais e fomentando a cooperação que for possível: união bancária, livre comércio, mercado único, política energética, políticas de segurança e defesa.
Portugal está atento às consequências da saída do Reino Unido da União Europeia. Há que preservar a situação dos cidadãos europeus, e dos portugueses que lá residem, negociar em conjunto com os restantes Estados-membros, conseguir um acordo que seja aceitável pelos dois lados; minimizar os custos e controlar os danos, e, garantir que a cooperação de mantém na esfera do terrorismo. Portugal não queria que o "Brexit" ocorresse e, se pudesse escolher, gostaria que houvesse um "soft Brexit", o que os ingleses já rejeitaram ao reafirmarem a sua pretensão de controlar a circulação de pessoas, condição inerente à permanência no mercado interno. Será pois, um "hard Brexit", o que as negociações terão que precaver, para que não termine num "crash Brexit".
O Reino Unido é hoje o quarto destino das exportações portuguesas e o primeiro emissor de turistas.
A balança comercial de bens e serviços, tem um saldo positivo, a favor de Portugal. Tudo isto terá que ser acautelado no futuro. Portugal não deixará de querer ver contemplados alguns dos pontos que lhe são muito pertinentes num futuro acordo comercial entre a União Europeia e o Reino Unido.